Falta de estrutura e atraso em obras fazem parte do cotidiano de pacientes no Hospital Infantil
- Gleidson Salheb, Jéssica Santos, Joice Batista
- 4 de set. de 2017
- 7 min de leitura
Enquanto os prazos são desrespeitados pelo governo, outros foram sugeridos e devidamente ignorados pelo Estado. A população aguarda, enquanto suas crianças continuam a morrer por conta da precariedade do HCA.
O Hospital da Criança e do Adolescente (HCA) teve suas obras iniciadas em 2013 e desde então entrou em mais um dos ciclos de obras inacabadas atribuídas ao Governo do Estado (GEA). Agora, em 2017, o Ministério Público do Amapá (MP-AP) exigiu o cumprimento dos prazos já estabelecidos ao longo desses quatro anos de conversas entre as entidades.
A atual situação da conclusão do projeto já está em 73%, contudo a obra, que tinha a previsão inicial de entrega em um ano, se arrasta por mais de quatro anos e com novo acordo prevendo sua finalização apenas para 2018.
O projeto inicial prevê a reestruturação de três blocos do HCA, sendo que apenas dois deles (blocos I e II) se encontram dentro do percentual de 73% já concluído. Segundo homologou o juiz da 3ª Vara Civil e da Fazenda Pública do Amapá, Antônio Ernesto Collares, o novo acordo obriga o Estado a concluir as obras dos blocos I e III, do respectivo hospital, até o dia 31 de dezembro de 2017, prazo este apresentado na proposta do Ministério Público do Amapá; já as obras referentes ao bloco II do HCA devem ser entregues até a data de 31 de março de 2018, finalizando o processo.
O MP-AP estipulou que o não cumprimento das deliberações feitas ocasionará em multa por dia de atraso no valor de R$ 50 mil, contudo, o magistrado deliberou que a aplicação da mesma e seu valor serão melhor definidos apenas no caso do descumprimento oficial do acordo.
O Pronto Atendimento Infantil (PAI) tem sido alvo das fiscalizações do MP-AP por ser porta de entrada para crianças que apresentam risco de saúde e precisam de internação. Com todos os leitos do HCA ocupados e após constatar a internação de crianças nos corredores do PAI, a Promotoria de Justiça cobrou imediata solução ao Governo do Estado.
As obras do HCA ocasionaram uma problemática séria para a população amapaense. Com dois blocos totalmente inutilizáveis, o atendimento tornou-se ainda mais precário por não haver de fato espaço para o recebimento das crianças. As denúncias pela falta de leitos e mortes ocasionadas pela falta de higiene do local se tornaram constantes, valendo-se de leitos improvisados em cadeiras e outras medidas drásticas para o atendimento da população.
Até julho deste ano, haviam apenas 10 leitos em funcionamento no hospital e nesse mês houve o relato, por parte de pais, de quatro crianças mortas à espera da transferência para a Unidade de Tratamento Intensivo (UTI). A direção do hospital chegou a confirmar na época que o atraso das obras contribuiu para a problemática relacionada às transferências para UTI, uma vez que a ampliação do prédio contribuiria com 20 leitos a mais.
Durante os quatro anos de atraso da construção, inúmeros outros casos foram divulgados na mídia local, sempre acentuando a falta de adequação do HCA e falta de funcionários para atender crianças. Atualmente, o Estado conta com uma medida paliativa para tentar amenizar a situação de caos instaurada, utilizando-se de um anexo para atendimento da alta demanda do hospital.
Contudo, há outras problemáticas que surgem a partir dessa atitude. O MP explica que, mesmo se tratando de uma solução, o anexo veio a ser mais um problema para o Estado. “O anexo se encontra em uma localização totalmente diferente de onde o HCA se encontra hoje, somente por isso chamá-lo de anexo já seria estranho. Quando as crianças chegam ao Hospital, precisam ser encaminhadas ao novo endereço e então atendidas”, explicou a promotora de Justiça Fábia Nilci, durante audiência de conciliação realizada no dia 28 de julho pela Promotoria de Saúde do Ministério Público com o Governo Estadual.
Durante a reunião entre as entidades, também foi pontuado pela Promotoria de Saúde que o prédio anexo utilizado não era adequado para o recebimento de crianças em estado de internação, uma vez que se trata de uma clínica e não possui os equipamentos básicos para o atendimento, como o gerador, por exemplo. A queda de energia ocorrida na penúltima semana do mês de julho deixou todos, pacientes e funcionários, no escuro e sem comunicação, uma vez que o hospital também não possui telefone próprio nem meio de locomoção que não seja por parte da boa vontade dos funcionários que utilizam de seus próprios carros para fazer a realocação de pacientes entre as unidades.
Atraso na construção
As obras do Hospital da Criança e do Adolescente iniciaram prometendo ampliar a unidade que é uma das únicas especializadas em atendimento infantil do Estado. A promessa era de estruturar o hospital com equipamentos modernos para atender pacientes da capital, do interior e de ilhas próximas que costumeiramente vem à Macapá em busca de tratamento médico.
Construído em 1970, o HCA possuía uma área de aproximadamente 3.000 m², incluindo um bloco principal hospitalar e dois anexos; um para a administração e almoxarifado e o outro com o Pronto Atendimento Infantil. O projeto de reforma e ampliação objetivava dobrar a sua área construída para mais de 7.000 m².
Em obras há quatro anos, o HCA enfrenta problema de superlotação. Uma questão antiga que se agrava ao longo dos anos. Em menos de uma semana, a Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde Pública constatou um salto de 43 para 70 crianças internadas nos corredores do PAI, em junho deste ano.
A estimativa era que as construções durassem cerca de 420 dias, no entanto, este saldo já passa de 1.500 dias, o que obrigou a Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) a alugar um prédio que serve de anexo ao PAI, localizado no bairro Santa Rita, local relativamente longe do hospital situado na Avenida FAB, centro da cidade, para onde seriam encaminhados os novos pacientes.
Superlotação e falta de estrutura
Na tentativa de amenizar o problema, o Executivo Estadual ativou o anexo infantil para receber as crianças que estavam internadas nos corredores. Apesar das adequações do prédio que antes funcionava como clínica, o local não tem número suficiente de profissionais para atendimento, além da ausência de um gerador de energia e luzes de emergências em caso de falta de abastecimento. “A quantidade diminuiu, mas ainda temos crianças internadas nos corredores e o Estado fica gastando tanto, uma vez que teve gastos com as adequações e aluguel do anexo e ainda paga energia e água. Não queremos perdurar com isso até solucionarem o problema, principalmente porque temos uma obra quase 75% acabada”, destaca a promotora de Justiça, Fabia Nilci.
Segundo a direção do PAI, o término das obras do HCA solucionaria a crise vivida pelo Estado, evitando transtorno para crianças e adolescentes internados. Com as obras concluídas, um número significativo de 70 para 200 leitos, clínica médica, cirúrgica, isolamento e UTI melhorariam consideravelmente o atendimento no Pronto Atendimento Infantil, dando fim à superlotação.
Mal atendimento
Patrícia Silva é empregada doméstica e mãe do Emanuel, de 7 anos. Por várias vezes, ela e seu filho procuraram ajuda médica no PAI e no HCA. Além das enfermidades comuns à infância, Emanuel nasceu com sopro no coração, uma espécie de “ruído” causado pela passagem do sangue em um orifício menor do que o normal. O sopro no coração é uma deformidade congênita ou adquirida ao longo da vida. Existem dois tipos: os inofensivos e os patológicos, decorrentes de alterações na estrutura cardíaca.
Patrícia conta como é difícil depender de um serviço público deficiente. “Quando o Emanuel passava muitos dias internado, eu tinha que dizer que era do interior, pra poder ele internar e fazer o exame que constatasse o problema cardíaco. Porque senão, só atendiam e mandavam pra casa. Na segunda crise, como já sabiam o que era, já internavam, mas da primeira vez, pra conseguir pelo Estado os exames com urgência, eu tive que mentir”.
Ela atribui o agravamento da doença do filho à demora no diagnóstico. Entre as primeiros atendimentos e o diagnóstico preciso, dois anos de intensas dores se passaram. “O que agravou a enfermidade dele foi a deficiência na medicina aqui de Macapá. Primeiro disseram que ele tinha verme, depois era outra verme que atacava o fígado, disseram até que ele estava fingindo estar com dor pra chamar a atenção, só depois descobriram que era um problema cardíaco. Meu filho já estava com dois anos e meio. Isso porque eu briguei, eu chorei, até conseguir um diagnóstico”, relata.
Patrícia fala da falta de estrutura na área de saúde do Amapá. “Aqui em Macapá, nós temos o PAI, o Hospital da Criança e o São Camilo como apoio ao SUS (Sistema Único de Saúde), mas é pouco pra atender a demanda. Pra fazer uma ultrassom, a criança fica das 7h da manhã ou da 1h da tarde até 7h da noite, que é quando uma médica vem atender. Até hoje é só uma médica que atende de noite essas crianças que passam o dia em jejum pra fazer os exames nesses horários”, afirma.
Sobre a superlotação, ela atribui a dois fatores: a negligência do poder público e de alguns pais que demoram a procurar atendimento médico para os filhos. Quanto à falta de estrutura, Patrícia diz: “Eu já passei várias vezes com o Emanuel internado, não é em observação, é internado; dormindo sentada com ele no meu colo, em uma cadeira no corredor, porque não tinha leito suficiente. As crianças que também ficam em observação pela madrugada ou no final de semana, ficam no corredor também. Não tem estrutura, pra fazer aerossol, são poucas máscaras, uma criança tem que esperar a outra. A deficiência no serviço é enorme”.
Além dos problemas no atendimento hospitalar, Patrícia conta que até o serviço de limpeza e de administração deixa a desejar, pois, segundo ela, não há pessoal suficiente para suprir as necessidade do hospital, além de que há muita burocracia no momento de visita para algumas pessoas e facilidade para outras, tidas como “conhecidas” de pessoas que trabalham naquele local.
Patrícia também fala que além das crianças passarem o dia inteiro à espera de um exame, só há uma ambulância de pequeno porte pra o deslocamento delas até outra unidade de saúde como o Hospital de Clínicas Alberto Lima e o Hospital São Camilo, pois no PAI e no HCA não há equipamentos para tais procedimentos. Outro fator apontado como falha no atendimento é a falta de pediatras especialistas no Amapá.
Após o início das obras no HCA, ela denuncia a retirada da Sala de Terapia Ocupacional, onde as crianças tinham acesso a brinquedos e atividades educacionais, afim de ficarem entretidas durante o período de internação. “Com essa reforma, tiraram essa sala e houve muita reclamação. A gente que passa muito tempo lá, a criança precisa se distrair”, conta.
Sobre a demora na entrega do Hospital da Criança e do Adolescente, ela diz: “A gente fica analisando porque o material, a verba já foi repassada, mas ficam dando desculpas e quem sofre é a população. Eu nunca vi aqui em Macapá uma obra iniciar e terminar no período certo. Ela inicia na data certa, mas pra entregar são anos de espera”, reclama Patrícia.
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