Sem Plano de Manejo, Área de Proteção Ambiental da Fazendinha está degradada
A APA foi instituída em 2004, e o prazo para implantação do seu Plano de Manejo expirou em 2009. Aproximadamente 20% da área está degradada
A APA da Fazendinha está localizada ao Sul de Macapá, na divisa com o município de Santana, 15 quilômetros da Capital. Desde que foi criada, em 31 de dezembro de 2004, a área sofre com ações humanas predatórias. A ausência do Plano de Manejo, que deveria ter sido criado pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema) até o ano de 2009, acarretou ao longo de todos estes anos a degradação da fauna, flora, solo e espaços hídricos do local, que possui extensão de mais de 136 mil hectares de floresta de várzea.
A ocupação no entorno da APA da Fazendinha e a falta do Plano de Manejo prejudicam a fauna e flora do local.
Crédito: Nilton Ferreira
Na APA há muitos açaizeiros, palmeiras e cerca de 150 espécies de árvores. O local também possui várias espécies de aves, peixes e répteis. Segundo relatos de moradores que vivem às margens da APA, nos últimos anos, o local sofre com o desmatamento provocado por donos de algumas propriedades particulares próximas à área. Além da construção de um conjunto habitacional nos limites da floresta que está prejudicando principalmente o solo, cabeceiras de lagoas estão assoreando por conta da ocupação desordenada.
A Lei 9.985/2000 institui o Plano de Manejo para Áreas de Proteção Ambiental. O plano é um documento técnico que descreve os objetivos gerais de uma unidade de conservação e estabelece o seu zoneamento, ou seja, a divisão da área e as normas que devem presidir o uso e o manejo dos recursos naturais. O plano também prevê a implantação das estruturas físicas necessárias à gestão da unidade.
O documento deve ser elaborado dentro do prazo de cinco anos, a partir da data de criação da unidade.
Segundo o cientista ambiental Chailson Lima, existem dois tipos de unidades de conservação: as de uso sustentável e as de proteção integral. “A APA da Fazendinha é de uso sustentável, ou seja, pode haver o uso dos recursos da área, desde que seja de forma sustentável. Assim o plano de manejo deveria definir os critérios para utilização, por exemplo, do solo para agricultura, área que poderia ser desmatada, recursos hídricos, etc.”, explica.
O cientista ambiental frisa ainda que a ausência do plano de manejo torna a área mais vulnerável à ocupação desordenada, desmatamento, ao uso irracional dos recursos e à poluição de recursos hídricos. Quem vive no local relata que o órgão gestor, a Secretaria Estadual de Meio Ambiente (SEMA), apesar de possuir base na área, não fiscaliza e pune os moradores que degradam o local. “Estimamos que cerca de 20% da área da APA está degradada pelos mais diversos tipos de agressões ambientais. As mais comuns são a caça predatória, queimadas, desmatamentos e construções de residências de forma irregular, ocasionando danos ao solo e assoreamento de alguns dos ricos recursos hídricos de dentro do local”, afirma Nerivan da Silva, morador da margem da APA há 28 anos.
Nerivan, que também é guarda-parque voluntário, diz que se o local contasse com um plano de Manejo muitos problemas que hoje afetam a APA estariam resolvidos.
Em média, 320 famílias residem no entorno da APA/FAZ.
Crédito: Nilton Ferreira
Redução de danos
Um projeto de educação ambiental independente e a plantação de mudas são ações, desenvolvidas desde dezembro de 2015, por moradores e guarda-parques da área, que fiscalizam voluntariamente o local. As atividades buscam evitar que os danos ambientais, como o desmatamento e queimadas, cresçam ainda mais e comprometam também a qualidade de vida dos moradores. O alvo do projeto são as crianças, responsáveis por levar mensagem de conscientização aos pais e a comunidade.
Crianças aprendem a conversar o meio ambiente em atividades educativas realizadas por moradores da região da APA da Fazendinha.
Crédito: Nerivan da Silva/Arquivo pessoal
Além disso, as ações desenvolvidas pelos moradores contam com algumas parcerias voluntárias de acadêmicos da universidade do estado, como alunos de pedagogia da Universidade Estadual do Amapá (UEAP), que contribuem ministrando palestras e realizando brincadeiras para as crianças.
O guarda-parque voluntário Nerivan Silva comenta que o projeto poderia ser mais eficaz se tivesse apoio da Sema. “Sem esse plano de manejo, o lugar fica sem respaldo legal, nós ficamos sem respaldo também para proteger a área e levar para frente qualquer projeto de preservação como este. Além disso, quem agride a fauna ou a flora também não é punido devidamente pelo crime ambiental, por isso a nossa mobilização. Estamos cansados de ver a área sofrer diversos tipos de agressão e nada ser feito”, complementou.
Marcelo de Sá, guia turístico e guarda-parque voluntário da APA enfatiza que, mesmo sem o Plano, a Sema poderia fazer muito mais do que vem fazendo pela conservação da APA.
“A questão não está em torno apenas da ausência do Plano de Manejo, mas também pelo descaso dos gestores, não há ações e planejamentos há mais de uma década para esta unidade de conservação, que poderiam ser feitas mesmo de forma independente”, ressaltou.
Por conta disso, Marcelo de Sá aponta que os guarda-parques e comunidade realizam fiscalizações e ações dentro da área de forma voluntária por amor e força de vontade. “Se os responsáveis não se empenham, a comunidade luta como pode!”, destaca.
Guardas parques, em sua maioria membros da comunidade fiscalizam dia e noite a área com o intuito de identificar agressores e conter a degradação.
Crédito: Nerivan da Silva / Arquivo pessoal
Impunidade
As pessoas engajadas voluntariamente na preservação da APA questionam a ausência de punição a agressores que cometem crimes dentro de toda a área e ao redor dela.
O cientista ambiental Chailson Lima explica que a ausência de regulamentação da APA pelo Estado pode ser exigida pelo Ministério Público. Em contrapartida, o cientista ambiental, Marco Antônio Chagas, declara que o órgão gestor e a comunidade devem entrar em consenso quanto ao manejo da área, enquanto o Plano não é elaborado. “A penalização não iria resolver a degradação da APA, a melhor alternativa é discutir com a comunidade as medidas emergências cabíveis para o futuro da área, para que ela não deixe de existir”.
Procurado pela reportagem do Cuíra, o secretário da Sema, Marcelo Creão diz que as fiscalizações na APA da Fazendinha iniciaram em 2009, por meio dos técnicos que atuam na base localizada dentro da área. Ele afirma ainda que a fiscalização acontece em parceria com a própria comunidade. O secretário pontua que as penalidades sempre foram aplicadas, tais como multa e até mesmo apreensão, nos casos de desmatamento.
O desmatamento é constante, mesmo em locais de difícil acesso dentro da floresta.
Crédito: Nerivan da Silva /Arquivo pessoal
“A APA possui conselho gestor deliberativo que é presidido por representante da Sema, e formado por representantes de outros órgãos públicos, de organizações da sociedade civil, e de moradores da área. O conselho gestor, em conjunto com a Sema, é responsável pelas autorizações de pesquisas, mediação de conflitos e ações de fiscalização e regulamentação”, explica.
Apesar disso, Marcelo Creão assume que nunca houve, no prazo de 2004 a 2010, a preocupação por parte da Secretaria em iniciar a licitação para a elaboração do Plano de Manejo. O gestor explica ainda que somente no período de 2011 a 2014 foram elaborados os termos de referência para criação do Plano de Manejo.
“No ano de 2015, com a renovação do Conselho gestor da APA que atua na base da Sema, nós identificamos que o plano de referência criado há anos para contratar uma consultoria estava inadequado, então a nossa equipe técnica já atualizou o termo de referência para elaborar o plano de manejo”, explica o secretário.
De acordo com o titular da Sema, O termo está fechado e atualizado e, ainda no ano de 2016, será realizada uma chamada pública para a elaboração do Plano de Manejo da APA da Fazendinha.
O projeto, segundo o secretário está orçado em R$ 450 mil e será produzido em 4 meses, após trâmites licitatórios.
Apesar de plano de manejo, APA do Curiaú sofre com a ocupação desordenada
No Amapá, além da APA da Fazendinha, há outras áreas de preservação. Dentre elas, a APA do Curiaú, localizada na região da foz do rio Curiaú, a 8km da cidade de Macapá, criada por um decreto estadual em 1990.
A APA do Curiaú tem como objetivo proteger e conservar os recursos naturais e ambientais existentes na região. O local é formado por dois pequenos núcleos populacionais, Curiaú de dentro e Curiaú de fora, constituindo uma das raras comunidades existentes no país, com aproximadamente 1.600 pessoas, descendentes de quilombolas.
Além disso, a APA do Curiaú possui uma área maior de 20 mil hectares preservada e protegida como patrimônio cultural e ecológico.
A área, mesmo com plano de manejo, criado há 9 anos, não está devidamente protegida. A ocupação humana tem afetado a região.
Segundo a especialista em Direito Ambiental Eliane Ramos, a APA do Rio Curiaú é um exemplo dos problemas enfrentados por essas unidades de preservação no Amapá.
A especialista explica que, desde a sua criação, os limites da área foram reduzidos em 1.324 hectares e o perímetro diminuído em 15.658 Km. “Isso representa uma redução de 25 %. Além disso, a APA sofreu com enorme atraso (nove anos) na conclusão do plano de manejo, o que configura um retrocesso”, declara Eliane Ramos.
Em uma pesquisa para seu mestrado, Eliane constatou a existência de seis graves problemas que exigem solução imediata: invasões na APA do Rio Curiaú; distribuição de lotes entre os descendentes quilombolas; ocupação irregular de lotes nos limites da área quilombola; crescimento irregular do espaço urbano macapaense; dificuldade da população para solucionar meras questões cotidianas indefinição das atribuições e inércia de órgãos públicos para resolver problemas da comunidade quilombola.
Os problemas são os mesmos encontrados na APA da Fazendinha mostrados pelo Cuíra. (ver reportagem ao lado)
Um dos conflitos registrados pela pesquisadora envolvendo as APAs é a finalidade que a ocupação do local deve ter. “Uns pretendem valorizar a sustentabilidade das áreas de proteção ambiental. Outros, a moradia. Os interesses em conflito devem ser conciliados. Há possibilidade da manutenção e conservação das áreas de proteção ambiental e do oferecimento de moradia à população. Para isso, é imprescindível a participação das pessoas interessadas, das autoridades, dos órgãos públicos”, aponta.
A especialista ainda sugere algumas medidas que amenizariam os danos às Áreas de Proteção. “Recomenda-se ainda o incentivo à sustentabilidade das atividades econômicas desenvolvidas na APA”, afirma.
O planejamento governamental, associado a pesquisas tecnológicas e ações de capacitação para o manejo e padronização de processos produtivos também são fundamentais para viabilizar a ocupação sustentável nas APAs. Uma estratégia sugerida pela especialista é a propaganda sobre os produtos cultivados nessas regiões para garantir a renda dos moradores que vivem nessas regiões. “A população de Macapá reconhece a qualidade do açaí e dos derivados da mandioca produzidos pelos moradores da APA”, explica.