Déficit de cuidadores prejudica inclusão em escolas de Macapá
- Cássio Albuquerque e Maria Vaz
- 20 de jan. de 2015
- 5 min de leitura
Rede municipal de ensino conta com 40 profissionais para atender demanda de alunos com deficiência

O cuidador ajuda as crianças deficientes a se relacionarem com os colegas e professores
Crédito: Maria Vaz
O cuidador é o profissional que auxilia o aluno com deficiência em sala de aula, já que o professor não tem como dar atenção exclusiva para uma única criança. Algumas delas conseguem se desenvolver sem auxílio desse profissional, porém, a maioria necessita de acompanhamento diário. Um levantamento feito pela reportagem do Cuíra aponta que nas 80 escolas do município existem apenas 40 profissionais para atender uma demanda de quase 400 estudantes que precisam dessa assistência.
Segundo a especialista em educação especial da Universidade Federal do Amapá (Unifap), Sylvia Almeida, o profissional desempenha um papel importante no ciclo do aluno.
“Algumas crianças precisam de atenção particular para aprender a interagir com os colegas, ir ao banheiro, comer, fazer atividade, entre outras coisas. Se o autista não tiver o cuidador ele pode bater nas outras crianças como forma de interação, pelo fato de não saber se comunicar”, afirma a especialista.
A legislação brasileira estimula que os estudantes com deficiência estudem no ensino regular, mas dependendo da característica específica de cada um, ele pode ou não estudar no ensino especial.
Para Sylvia, o papel do cuidador na escola é assegurar que alunos com dificuldades de comunicação, de orientação, de locomoção ou outras limitações de ordem motora, possam realizar as atividades cotidianas na sala de aula. Esse profissional é indispensável para educação inclusiva de crianças autistas, embora a função não esteja relacionada ao processo pedagógico.
A especialista explica também que o cuidador é responsável em manter o aluno concentrado nas aulas, evitando que ele se distraia com o barulho no ambiente escolar.
“O autista, por exemplo, tem a audição sensível. Então, o barulho das crianças na escola o influencia a sair da sala, mas se tiver o cuidador para interagir dando atividades e atenção individual, ele vai se acostumar com o ambiente”, explica.
A baixa demanda de profissionais nas escolas do município preocupa pais e responsáveis. Muitos deles alegam que preferem retardar o início da vida escolar da criança porque acreditam que as instituições não estão preparadas para receber esse aluno.
Em 2014, eram apenas 40 cuidadores para uma demanda de 387 estudantes com deficiência matriculados na educação infantil, ensino fundamental e educação de jovens e adultos (EJA), de acordo com a Secretaria Municipal de Educação (Semed).
O eletrotécnico Manoel Palmerim diz que também se sente prejudicado com a situação. Ele enfrentou dificuldades para manter o filho autista de 8 anos em sala de aula na Escola Municipal Raimunda Lima Guedes, localizada no bairro Marabaixo, Zona Oeste de Macapá, no início do ano letivo de 2015.
A criança iria iniciar o segundo ano do ensino fundamental, no turno da manhã. Segundo Manoel, a diretora da instituição informou durante a primeira semana de aula que o aluno seria transferido para o turno da tarde porque pela manhã não havia um profissional para atendê-lo.
“A direção sugeriu que eu e minha esposa ficássemos por uma ou duas semanas acompanhando meu filho porque não tinha cuidador. Eu falei que não poderíamos fazer isso porque nós tínhamos que trabalhar e que se fosse para fazer isso teríamos deixado ele em casa. Depois de ter brigado, eles conseguiram uma pessoa no turno da manhã para estar lá acompanhando meu filho”, falou.
Marluci de Jesus é mãe de um menino deficiente físico, que estuda na rede municipal de ensino. Segundo ela, seu filho tem cuidador diariamente na escola que o acompanha nas atividades escolares. Mas quando o profissional falta, a criança é obrigada a voltar para casa porque não há um substituto.
“Ele não consegue fazer as coisas sozinho, como ir ao banheiro, tomar água, fazer as atividades e sair para o intervalo. Então o cuidador ajuda ele se locomover e interagir com os colegas. Sem esse profissional meu filho não estudaria”, disse.

A Secretaria de Educação estima ser necessário ao menos de 100 cuidadores para atendera rede municipal de ensino
Crédito: Maria Vaz
Déficit de profissionais
A Semed reconhece que o número de profissionais não atende a esta demanda. De janeiro a abril de 2015, o levantamento preliminar realizado pela secretaria aponta que o número desses estudantes já passa dos 350 e a quantidade de profissionais permanece o mesmo.
Segundo a chefe de divisão de educação especial da Semed, Sarah Medeiros, a Prefeitura enfrenta dificuldades para encontrar profissionais capacitados para a função. Ela diz que os cuidadores que atuam nos colégios municipais já eram funcionários das instituições e foram desviados da função que desempenhavam.
A Secretaria estima que são necessários aos menos 100 cuidadores nas escolas da rede municipal para atender a este público.
“São muitas vezes auxiliares de disciplinas ou serventes que realizam esse trabalho. Nós fazemos uma seleção daqueles que têm um perfil e oferecemos uma capacitação para que eles iniciem as atividades. É um pouco difícil, porque eles só poderão atuar se a escola não tiver carência na função que ele desempenhava antes”, explicou.
Sarah explica também que a legislação federal não especifica quais requisitos para o exercício da função de cuidador e teto salarial, que também não foi definido, embora a Lei de Diretrizes Básicas da Educação Nacional (LDB) de número 9.394/96 obrigue a presença dos profissionais nas escolas.
Em 2014 foi aprovado pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados o projeto de lei que obriga as escolas a disponibilizarem cuidadores para alunos com deficiência, se for verificado que este precise de atendimento individual e nos núcleos de educação especial.
A iniciativa foi do parlamentar Eduardo Barbosa (PSDB-MG). O projeto de lei nº 8014/2010 descreve que para exercer a profissão, o indivíduo precisa ter formação técnica em enfermagem ou em cuidados. A matéria aguarda votação no Senado Federal.
Mesmo com a não regulamentação da profissão, a Semed estuda a possibilidade de realizar um concurso público para a área da educação, que incluirá a efetivação de vagas para cuidadores.
“Embora a lei não tenha regulamentado tais requisitos, o município tem autonomia para criar uma lei local para regulamentar a profissão. Estamos finalizando a minuta para ser encaminhada à Câmara dos Vereadores”, disse.
Alternativas
Em meio a carência de cuidadores, entidades realizam trabalhos para atender a alunos e pais. Uma delas é a Associação de Pais e Amigos dos Autistas do Amapá (AMA), que funciona em Macapá há 8 anos. A instituição oferece assistência às crianças que sofrem com o problema e também realiza campanhas de conscientização sobre o autismo e oferece capacitação profissional para a função.
Segundo a presidente da associação, Jane Betânia, a entidade atende atualmente 95 autistas, que realizam atividades na educação inclusiva nos turnos da manhã e da tarde.
Para ela, além do cuidador, a presença do atendente terapêutico também é importante no ambiente escolar. Diferente do cuidador, este profissional pode ajudar o professor nas atividades pedagógicas em sala.
“Ele auxilia a criança na realização das atividades como a escrita e a leitura. Isso permite que o processo de aprendizagem seja facilitado tanto para o estudante quanto para o professor”, declara Jane.
A chefe da divisão de educação especial da Semed informou que este profissional está disponível em grande parte das escolas municipais nos núcleos de Atendimento Educacional Especializado (AEE). São cerca de 90 profissionais entre professores, psicólogos e pedagogos que realizam atividades com os alunos durante o contraturno escolar.
Os núcleos são espaços de educação continuada em que são desenvolvidas atividades pedagógicas e de recreação. Sarah reconhece que cerca de 30% das 80 escolas do município ainda não possuem esse espaço por conta de problemas estruturais.
“Estamos trabalhando para mudar essa situação, embora, saibamos que seja um processo burocrático que demanda bastante tempo. Mesmo com a estrutura limitada na maioria das escolas temos conseguindo criar esses núcleos e garantir essa acessibilidade à este tipo de criança”, conclui.
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