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Abortos clandestinos ameaçam saúde de mulheres

Cytotec e chá da Buchinha, erva comprada livremente em feiras, estão entre os métodos mais usados para a prática do aborto no Amapá

A notícia de uma gravidez nem sempre é recebida com alegria e, para algumas mulheres, significa o fim de seus projetos

Crédito: Wanderson Viana

Muitas mulheres praticam aborto de forma clandestina sem acompanhamento médico. No ano de 2008, para cada 100 mulheres em idade fértil, 40 delas praticaram aborto ilegal no Amapá.

Os dados estão no estudo Magnitude do Aborto no Brasil, da Organização Não-Governamental Internacional Ipas e pelo Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), com apoio da área técnica da Saúde da Mulher do Ministério da Saúde. Especialistas apontam que o uso de métodos abortivos podem comprometer a saúde da mulher e, em muitos casos, levá-la a óbito.

De acordo com a obstetra Nirce Carvalho da Silva, entre as mulheres adultas a interrupção da gravidez acontece por falta de condições econômicas para sustentar a criança. Há casos em que o aborto é utilizado para esconder uma traição.

A especialista afirma que as adolescentes interrompem a gravidez por medo dos pais e por se sentirem despreparadas para cuidar da criança.

M. P, de 31 anos, é dona de casa e prefere não se identificar. Ela praticou o primeiro aborto em 2003, aos 25 anos. “Eu engravidei e como não queria ter filho naquele momento, por questões financeiras, eu resolvi abortar”, diz.

Conforme disse a dona de casa, o esposo lhe forneceu o dinheiro para que ela fosse à farmácia comprar o remédio para praticar o ato. M.P diz que fez o aborto sem contar com a ajuda de ninguém. “Fui até a farmácia e comprei o remédio com uma conhecida. Não procurei ajuda médica”, relata.

Segundo a socióloga Lana Patrícia, a prática do aborto já foi analisada em diversas culturas e épocas. Embora amplamente praticado no mundo Greco-romano, o aborto é condenado pelo cristianismo, poracreditar que a vida começa desde a concepção no útero.

Ao ser realizado de maneira inadequada, o aborto traz graves consequências para quem o pratica, entre elas está à esterilidade. Ao efetivar o aborto, a mulher corre o risco de ter retirada a parte interna do útero, o endométrio, causando com isso sequelas irreversíveis.

A obstetra Nirce ressalta que a prática clandestina do aborto pode causar graves infecções. “Na mulher, há o risco de desenvolver uma infecção pélvica (doença inflamatória pélvica), que pode se manter durante a vida inteira”, conta. A complicação pode impedir que a mulher engravide por causar inflamação no útero.



Métodos abortivos

Um método abortivo muito utilizado no Amapá é o uso do chá da buchinha, uma erva nativa do Brasil, que pode ser adquirida em feiras, usada normalmente no tratamento de rinites e rinossinusites. Nirce Carvalho explica que o chá oferece riscos para a mulher. Consumida em dosagens excessivas, a buchinha se torna um veneno.

Segundo a obstetra, a buchinha é cortada em partes para que seja preparado o chá. “Mas passando três tabletes, a erva vira veneno e o sangue não coagula mais”, afirma.

O processo é chamado pelos especialistas de Coagulação Intravascular Inseminada. Para os casos de aborto realizados com a erva, o procedimento realizado é a cirurgia para retirada do útero. “Não interessa se ela tem 18, 25 ou 45 anos. Ao fazer uso desse método para abortar, o útero dela é retirado”, afirma. A médica lembra que já tiveram casos em que a paciente chega ao hospital após fazer o uso do chá e não é salva porque o anticoagulante não surtiu efeito.

Outro método usado na prática abortiva é o Misoprostol, popularmente conhecido como Cytotec. O medicamento é usado para tratamento de úlcera no estomago.

De acordo com a obstetra, a droga pode explodir o útero da mulher. Há casos em que o uso do Cytotec não tem êxito e a criança nasce com problema s neurológicos.

No Brasil, o aborto é permitido nos seguintes casos: quando a gravidez é decorrente de estupro; quando há risco de morte para a mãe ou quando o feto é anencéfalo (não possui cérebro).

Em 56 países, o aborto é permitido sem restrições, entre eles estão o Uruguai, onde a mulher pode interromper até a 12ª semana e, em caso de estupro, tem o direito de praticar até a 14ª semana. Na Suécia, esse direito se estende até a 18ª semana. Na Noruega é permitido em todos os casos até a 12ª semana, necessitando de autorização judicial depois desse período.

Para a socióloga Lana Patrícia, o tema é polêmico. “O debate sobre o aborto toca diversas esferas como: moral, ética e jurídica. Na realidade, há sempre certa intolerância em relação ao assunto principalmente no aspecto religioso”, comenta.

Aborto como alternativa

A jovem L.S, de 20 anos, casada e mãe de uma menina de 5 anos, trabalha como autônoma, é evangélica e mora no município de Santana.

Em 2011, com 16 anos, L.S conheceu o namorado, um jovem três anos mais velho que ela. Eles moravam na mesma rua, depois de um tempo começaram a conversar e logo iniciaram o namoro. A família de L.S era contra o relacionamento por considerar que ela ainda era muito jovem.

O casal se relacionava escondido. Um ano depois, a jovem ficou grávida. Ela diz que à época não sabia o que fazer, ficou assustada e com medo de contar ao pai, com receio de ser expulsa de casa. O aborto foi a alternativa.

Em conversa com o namorado, decidiram tirar o feto. Compraram o Cytotec. No banheiro de casa, a jovem tomou o medicamento e aguardou o efeito. As fortes dores e a grande quantidade de sangue sinalizaram que o medicamento teve o resultado esperado. “No momento, eu senti uma cólica muito forte, e tive certeza que havia conseguido o que eu queria e me senti aliviada”.

A jovem não procurou ajuda medica e fez todo o procedimento na própria residência. “Eu consegui fazer o aborto na minha casa, apenas com a ajuda da minha mãe. Não fiquei com nenhuma sequela nem problema decorrente disso. Eu sobrevivi”, afirma.

Depois do primeiro aborto, a jovem repetiu o ato outra duas vezes até engravidar da filha de 5 anos. “Eu não me sinto arrependida por ter feito os abortos”, conta.

De acordo com dados preliminares de um estudo efetivado pelos pesquisadores Mario Monteiro e Leila Adesse, entre 685.334 e 856.668 mulheres praticaram abortos ilegais. em 2013.

No entanto, o estudo não mostra a quantidade de mortes de pacientes, pelo fato da prática ser clandestina.Porém, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que a cada dois dias uma mulher brasileira morra vitima de aborto ilegal.


“Enterrei o que estava me atormentando” Uma gravidez indesejada e dificuldades financeiras foram alguns dos motivos que levaram Jennifer Sanches a cometer o aborto. O nome da jovem é fictício para preservar sua identidade.

“Eu cometi o aborto porque eu era menor de idade, não trabalhava e fiquei transtornada. Não sabia o que fazer sem apoio de ninguém, o único método que eu achei naquele momento de desespero foi abortar, pois eu não teria condições de ter uma criança”, relata.

O método usado por Jennifer para provocar o aborto também foi à pílula de Cytotec. “A pílula de Cytotec foi indicada por uma amiga minha que já tinha usada anteriormente”, diz. A aquisição do medicamento aconteceu em uma farmácia no município de Santana e foi vendida de forma clandestina por um amigo da entrevistada. A venda do Cytotec só é permitida por meio de receita médica.

“Eu consegui comprar a pílula através de um amigo meu que trabalha em uma farmácia, ele me vendeu a pílula num valor bem acima do preço real do medicamento”, conta.

No momento do aborto, Jennifer estava sozinha e muito transtornada. Ela pensava apenas em concluir o procedimento. “Logo quando eu cheguei da farmácia, esperei um pouco pra tomar coragem, pois estava muito nervosa. Quando decidi, fiz todo o procedimento indicado por uma amiga”, afirma. A jovem conta que enterrou o feto no quintal de casa.

Brasil registra mais de 900 mil abortos inseguros por ano

Buchinha é usado como método abortivo

Foto: Marta Bezerra

Estudo publicado pelo Departamento de Saúde Comunitária da Faculdade de Medicina, em parceria com a Universidade Federal do Ceará, registrou 4.007.327 internações hospitalares por abortamento no Brasil no período 1996-2012. A estimativa é um total de 16.905.911 abortos inseguros, com média anual de 994.465 abortos durante este período no país.

De acordo com a pesquisa, o Amapá apresentou o maior coeficiente de abortos inseguros no país, sendo 35,9 abortos para mil mulheres em idade fértil. Já no estado da Bahia, as estatísticas são maiores em relação de abortos inseguros por nascidos vivos.

Conforme a Pesquisa Nacional de Aborto (PNA), realizada em 2010, que entrevistou mulheres alfabetizadas com idades entre 18 e 39 anos, 15% delas já tinham feito aborto alguma vez na vida.

No Brasil só é permitido o chamado aborto necessário, quando há caso de risco de morte para a mãe, feto anencéfalo ou gravidez decorrente de estupro. Essas permissões estão previstas no artigo 124 do Código Penal - Decreto- Lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940.



Aborto perante a lei

De acordo com a bacharel em direito, Kelly Tork, que realizou uma pesquisa na área, existem vários fatores que interferem na legalização do aborto, sendo o principal conflito entre os direitos à vida da criança e da mulher sobre seu próprio corpo.

Conforme a especialista, uma pessoa só tem direito perante a Lei após nascer. “Existe o direito a vida daquela pessoa, que para a Lei ainda não é considerada personalidade, mas que já tem expectativa de possuir direitos porque pode vir a nascer”, comenta.

Segundo Kelly Tork, devido ao aborto ser considerado crime no Brasil, muitas mulheres procuram clínicas clandestinas para realização da atividade. “Por ser uma prática ilegal no Brasil, as mulheres acabam recorrendo a meios não adequados do ponto de vista da saúde, procurando clínicas clandestinas para realizar o aborto, e acabam se subtendo a questões que venham comprometer sua saúde que pode causar até a morte”, explica.

Para Kelly Tork, do ponto de vista político, um grande empate na legalização do aborto é a questão religiosa, levando em consideração a bancada legislativa e dentro a uma bancada religiosa que tem uma grande representatividade.

De acordo com Kelly Tork, o Brasil, sempre foi ligado a questões religiosas. “Aqui no Brasil, a gente tem nossa história ligada à igreja. Desde o principio, por mais que não existisse uma previsão legal de condenação do aborto, já existia uma questão social, a Igreja sempre viu com maus olhos”, conta. Para Cibele Canto, que faz parte da organização da Marcha das Vadias no Amapá, movimento que defende a legalização do aborto, trata-se de uma questão de liberdade individual. “Muitas pessoas são contra o aborto porque elas se dizem a favor da vida, mas a gente não pode negar para uma pessoa que não acredita nisso o direito de não ter filhos”, ressalta.

A ativista Cibele Canto diz que o Brasil não está preparado para um processo de legalização do aborto, e aponta o avanço de uma “moral” super conservadora.. “O aborto é uma questão de saúde pública, mas legalizar considerando o funcionamento desse serviço no Brasil seria uma coisa muita complicada de se fazer”, ressalta.

Raysa Nascimento, outra integrante da Marcha das Vadias, o aborto traz consequências psicológicas para as mulheres. “Na verdade, sempre quando julgam a prática do aborto como assassinato ou coisa do tipo, temos um prejuízo psicológico para a mulher”, comenta.

Segundo Raysa, as mulheres que são a favor do aborto não defendem que ele seja feito de qualquer maneira. “Não é só legalizar, a gente quer acompanhamento psicológico para essa mulher para que ela perceba as possibilidades antes de decidir”, acrescenta.

A legislação brasileira prevê punições diferentes para os três tipos de aborto. Por exemplo, para a mulher que autoriza a prática do aborto em si mesma, a pena é de 1 a 3 anos. Sem o consentimento da gestante, a pena é de 3 a 10 anos. No caso do médico, a pena varia de 1 a 4 anos. Segundo Kelly Tork, a legislação brasileira também prevê condenações especiais. “No caso de uma menor de 14 anos, ou uma pessoa com problemas mentais, a pena varia de 3 a 10 anos”, diz.

Conforme Kelly, as penalidades a respeito das práticas do aborto podem ser dobradas, em casos de lesões irreparáveis ao corpo da mulher, ou até mesmo a morte das mesmas. Cada país tem autonomia para legislar a respeito das práticas que são permitidas ou que são proibidas dentro daquele território.


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