Falta de documentoscopistas atrasa investigações criminais no Amapá
- Fabiana Figueiredo
- 20 de jan. de 2015
- 4 min de leitura
Estado tem apenas três peritos especializados em investigação de documentos; deficiência afeta processos judiciais como a Operação Eclésia que apura corrupção na Assembléia Legislativa

Perícia em documentos é fundamental para esclarecimento de crimes
Foto: Fabiana Figueiredo
O ato de fraudar um documento é comum no Amapá, garante a Polícia Técnico-Científica do Amapá (Politec-AP). Os peritos investigam a origem e a veracidade de documentos que, muitas vezes, compõem processos na justiça amapaense. Para isso, são utilizadas técnicas da documentoscopia. Essa área apresenta problemas no Estado, porque há poucos profissionais habilitados, provocando o acúmulo de pedidos de análise e o atraso nos julgamentos.
No Amapá, é comum encontrar registro de veículos com informações falsas de regularização, além do tipo diferente do papel e as assinaturas forjadas, de acordo com a Politec. Documentos como fotos, contratos, recibos, testamentos, arquivos de vídeo e áudio, importantes para elucidar crimes, precisam da perícia, realizada apenas na sede da polícia técnica, em Macapá.
A perita Yamiko Okada, da polícia técnica, explica que há muitos processos acumulados no departamento de criminalística que são, em maioria, de delegacias e juizados.
“Nós não conseguimos fazer dois laudos por dia porque é muito trabalhoso, isso cansa a mente e o olho. Toda essa análise é muito complicada de ser feita. Com tanta demanda, temos que analisar muitos detalhes em pouco tempo”, comenta a perita.
O exame nos documentos é feito a “olho nu” ou usando equipamentos que ajudam no processo de perícia, como o Vídeo Spectral 4305, uma máquina que analisa passaportes, notas de dinheiro e outros materiais com proteção especial, denominada de elementos de segurança.
Para Yamiko, a principal dificuldade de trabalhar na área é a quantidade de análises. Ela acredita que a contratação de mais peritos ajudaria a resolver essa questão.
De acordo com o Código de Processo Civil, que rege a categoria, é obrigatório que os peritos analisem as provas em até 10 dias, a partir da intimação judicial para a apresentação do laudo.
O pedido para estender o tempo de análise é comum. Atualmente, o Estado conta com três especialistas oficiais para atender a população de cerca de 740 mil habitantes em todo o Amapá (segundo estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE] em 2013)
. Porém, segundo o diretor da Politec, Salatiel Guimarães, todos os outros peritos são formados para atuar com a documentoscopia, inclusive aqueles lotados nas unidades da polícia nos municípios de Santana, Mazagão, Oiapoque e Laranjal do Jari, onde trabalham três profissionais, que atendem diversas especialidades.
A quantidade é pequena comparada ao que prevê a Organização das Nações Unidas (ONU), que é um perito para cada cinco mil pessoas. O ideal, portanto, seriam 148 peritos de documentoscopia no estado. O presidente da Associação Amapaense de Peritos Oficiais (AAPO), Benedito Alfredo, acredita que um novo processo seletivo seria uma solução para essas dificuldades.
“Esta não é uma área da perícia ligada à formação acadêmica específica, o que dificulta a fixação de um profissional dentro da área de documentoscopia”, argumenta Benedito.
Para ser um perito de documentos, o profissional tem que ter o ensino superior, ser aprovado em processo seletivo e passar por formações que duram, em média, 6 meses. O último concurso público da Politec aconteceu há 10 anos.
De acordo com o ex-diretor presidente da instituição, Odair Monteiro, em 2014, havia um projeto de concurso público que iria preencher o quadro de funcionários. O atual diretor, Salatiel Guimarães, informou que não há nenhum projeto destinado à contratação de documentoscopistas. Ele acrescentou que serão abertas vagas para especialidades ligadas a crimes na área de informática.
Caso marcado
A falta de peritos afetam investigações da chamada Operação Eclésia, que recolheu documentos ligados à prestação de contas da Assembleia Legislativa do Amapá (Alap). A ação foi deflagrada em 2012 e teve a primeira audiência sobre o caso somente em julho de 2014. Segundo Benedito Alfredo, que atuou no caso, a falta de peritos na área foi um dos fatores para o atraso de dois anos entre a Operação e a primeira audiência.
O caso iniciou com o aumento do valor da verba indenizatória da Alap para R$ 100 mil, em 2011. O Ministério Público do Estado do Amapá (MPE-AP) solicitou documentos aos deputados para investigar possíveis irregularidades no uso desse recurso.
Até outubro de 2014, o MPE já havia registrado 62 denúncias na justiça relatando irregularidades na prestação de contas, totalizando um desvio em torno de R$ 50 milhões.
O dado é referente a uma parte de todos os documentos que foram apreendidos e já analisados pelos peritos. Segundo o promotor que cuida do caso, Afonso Guimarães, as investigações seriam concluídas em maio de 2015. Até esta data, ainda há documentos apreendidos sendo analisados, e os inquéritos não foram encerrados pelo MPE.
Em um dos casos, o promotor solicitou a análise pericial de notas fiscais de várias empresas que suspeitava terem sido preenchidas pela mesma pessoa.
Os exames ajudam na investigação de crimes em que a principal prova é documental, tais como: peculato, lavagem de dinheiro, estelionato, entre outros.
Para o advogado criminalista, Maurício Pereira, o retardamento na conclusão dos inquéritos e na oferta da denúncia pode dar vantagem à defesa. “A defesa, exceto quando o réu está preso, não tem uma preocupação com a celeridade do processo. Amorosidade estatal contribui com os anseios da defesa; já a acusação é quem quer mais rapidez e fiscaliza se esses atos estão sendo praticados no tempo adequado”, afirma Pereira.
Os laudos de documentos são praticamente uma sentença emitida pelo perito, que pode mudar o rumo dos processos. Portanto, a documentoscopia precisa de profissionais habilitados, além de tempo e cuidado nas investigações.
Profissão
Como tem um trabalho importante na identificação de fraudes em documentos, a documentoscopia é uma área que tem passado por mudanças, sendo até questionada enquanto ciência.
A perícia criminal tem se tornado mais atuante no país. Em 2009, foi criada a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 325, que desvincula a perícia criminal das polícias Federal, Civil e Militar, tornando-a uma instituição independente. A proposta também determina que o cargo de perito seja desempenhado por servidor público concursado e sua função, reconhecida como típica de estado. A PEC foi aprovada por uma comissão especial em novembro de 2014, e pode ser votada no plenário ainda em 2015.
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