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Atendimento precário compromete proteção a vítimas de violência em Macapá

Cuíra registra problemas no acolhimento de vítimas na única delegacia da mulher na Capital


Segundo o artigo 11 da lei Maria da Penha, que norteia o atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, a autoridade policial deve informar à mulher vítima os seus direitos conferidos em lei e os serviços disponíveis, como o atendimento psicossocial, jurídico e de saúde. Mas não é o que acontece na única Delegacia da Mulher em Macapá.


Crédito: Wendy Ramos

Prédio da Delegacia da Mulher em Macapá, localizada na rua São José, S/N, Centro.

Crédito: Wendy Ramos


A delegacia é a porta de entrada das mulheres na rede de atendimento e funciona 24hs. As vítimas que procuram por atendimento, fragilizadas e com o estado emocional alterado, não recebem um atendimento adequado, além de uma longa espera para registrar o boletim de ocorrências.

Crédito: Beatriz Soutelo

A longa espera pelo atendimento

Crédito: Beatriz Soutelo


“É um descaso, o atendimento é lento, não nos oferecem a proteção que realmente precisamos. Chegamos aqui fragilizadas e necessitamos de um apoio adequado e imediato”, afirmou a vítima Eudiane Silva, que esperava na delegacia pela cópia do boletim de ocorrência, já que naquele momento não havia papel para a impressão do documento.

A falta de profissionais capacitados para atender as mulheres é um dos grandes problemas. A delegacia não dispõe de servidores efetivos suficientes para o atendimento. Durante a produção desta reportagem, a recepção erarealizada pelo policial chamado Zé Maria.


Crédito: Wendy Ramos

Policial Zé Maria oferece apoio durante atendimento na Delegacia da Mulher

Crédito: Wendy Ramos


A falta de profissionais capacitados e específicos para o atendimento acaba criando outro problema para as vítimas.

“O ideal é que fossemos atendidas por uma mulher que entende da área e que possa ter mais paciência com o nosso caso, nossas condições emocionais”, frisou Ellen, que não quis revelar seu sobrenome.

A delegacia é localizada no centro de Macapá, e não tem um indicador de reconhecimento, como uma fachada, o que torna o acesso ao prédio mais difícil.

A autônoma Nonete Bastos, moradora do bairro Brasil Novo, zona norte de Macapá, teve muitas dificuldades para chegar e encontrar a delegacia, após ter sido vítima de agressão.

“Depois que eu sofri a agressão, resolvi denunciar meu ex-marido. Passei duas vezes pela frente da delegacia sem saber que era aqui. Com essa dificuldade, dá até vontade de desistir”, alegou Nonete, que pediu ajuda para pegar ônibus e voltar para a sua casa.

O descaso no atendimento não para por aí. A nossa equipe de reportagem flagrou o momento em que a vítima Kátiane dos Anjos precisava, com urgência, ser levada até o hospital de emergência da capital, mas os funcionários que atendiam no momento não sabiam da localização dos motoristas da delegacia.

Em entrevista, Katiane denuncia que “a demora no atendimento é uma grande falta de respeito com a vítima. Chegamos aqui para procurar apoio e não temos. Ninguém sabe dar informação ou posição de algo”.

Para a delegada plantonista, Josymaria Coelho Jorge, os problemas da delegacia são reais. A estrutura do prédio já não suporta a demanda de mulheres vítimas de violência. Segundo dados da Promotoria da Mulher, só em 2014 foram registrados 1.342 casos de violência contra a mulher no município de Macapá. O número é maior do que o registrado em 2013, um total de 1.304 casos.


Na Delegacia da Mulher, só no mês de janeiro de 2016, foram notificadas 486 ocorrências. A maioria dos crimes (186 casos) foram de ameaças. As ocorrências de lesão corporal estão em segundo lugar, com 102 casos notificados.

Para diminuir o quantitativo de ocorrências, a delegada afirma que o ideal é que fosse construída outra delegacia para atender a capital.

“Hoje, realmente, a estrutura física da delegacia está bem deficiente para atender o número de ocorrência que recebemos diariamente. Teria que ampliar este prédio com mais salas, mais serviços, mais servidores ou construir uma nova delegacia”, ressaltou a delegada.

As mulheres chegam ao prédio, são recepcionadas e aguardam para registrar o boletim de ocorrências. Depois que todo o procedimento de atendimento termina, as vítimas não são informadas sobre os programas de assistência social, que estão previstos em lei. Muitas mulheres que procuram a Delegacia nem sabem que têm esse direito.


Prédio do Camuf. Crédito: Jhenni Quaresma

Em Macapá, o Camuf (Centro de Atendimento à Mulher e a Família), com atendimento de segunda a sexta feira, é o órgão do Governo Estadual responsável pela assistência psicológica às vítimas. No entanto, poucas mulheres sabem o Centro existe porque não são informadas na Delegacia durante o atendimento.

A psicóloga Frantinete Oliveira do instituto Integrare afirma que é de extrema necessidade que as mulheres, antes de serem atendidas pela delegada, possam ter um apoio psicossocial para ser avaliada as suas condições dentro da delegacia.

“É essencial ter um acompanhamento psicológico dentro da delegacia da mulher para ser verificada, principalmente, as condições emocionais das vítimas. Pequenos gestos, como oferecer um copo de água, ser bem tratada podem fazer com que, naquele momento, a mulher tenha equilíbrio e condições de registrar o boletim de ocorrências”, comentou Frantinete.

De acordo com as pesquisadoras Wânia Pasinato e Cecília Santos, a delegacia da mulher é regida por decretos e leis estaduais, ou seja, cada estado é responsável pela criação e funcionamento da delegacia.

Segundo a socióloga Alzira Nogueira, não existe em Macapá uma Delegacia Especializada em Crimes Contra a Mulher, só a Delegacia da Mulher. ,

A Socióloga Alzira Nogueira em entrevista para o Jornal Cuíra

Crédito: Hugo Reis

“No Amapá, nós não temos Delegacias Especializadas em Crimes Contra as Mulheres nos moldes que a norma técnica determina que atenda toda e qualquer ocorrência que envolva mulheres. Nós temos a Delegacia da Mulher que só atende ocorrências de violência doméstica e familiar, o que para mim, é um grande problema”, ponderou a socióloga.


A Violência Institucional


O atendimento precário às vítimas de violência recebe o nome de violência institucional. Segundo a pesquisadora Simone Duran, a violência institucional geralmente é cometida aos grupos mais vulneráveis. É o tipo de violência exercida pelos próprios serviços públicos, por ação ou omissão de algo. Pode incluir desde a dimensão mais ampla da falta de acesso a serviços, até a má qualidade dos serviços.

A violência institucional é cometida por agentes que deveriam proteger a mulher, garantindo-a uma atenção humanizada, preventiva e também reparadora de danos.

A frieza, falta de atenção, demora no atendimento e negligência, são falhas referentes a este tipo de violência.



Rede de atendimento


Em Macapá, a RAM (Rede de Atendimento à Mulher) reúne ações e serviços das áreas de assistência social, justiça, segurança pública, defensoria e saúde que estão previstos na Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra Mulheres. Mas segundo Raysa Nascimento, integrante do movimento feminista Marcha das Vadias - AP, essa rede não funciona. Ela acredita que o atendimento deve ser humanizado, capacitado e, sobretudo, realizado por mulheres.

“O atendimento realizado pela delegacia da mulher em Macapá não é pronto, é falho. Acredito que para melhorar o atendimento deste setor na rede, é preciso investir em cursos de capacitação. Colocar mulheres para atender mulheres. Já que é na delegacia onde é realizado o primeiro atendimento da mulher”, garantiu Raysa.

Em entrevista ao Cuíra, Rayssa Nascimento, acadêmica de Ciências Sociais e integrante do grupo feminista Marcha das Vadias Amapá.

Crédito> Wendy Ramos

Como integrante de um movimento feminista, Raysa faz parte de um projeto que visa à capacitação de pessoas da rede de atendimento à mulher, principalmente da delegacia, onde ocorre o maior número de reclamações das mulheres vítimas de violência.


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