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A “corrida” clandestina pelo ouro na Fronteira

Desde o fim da década de 90, com o aumento do preço do ouro, entre 3 e 15 mil garimpeiros trabalham ilegalmente na Guiana Francesa


Brasileiros de várias regiões do país colocam a vida em risco na busca por ouro na Amazônia. A escassez do ouro em garimpos do extremo norte do Brasil faz com que a busca aconteça em terras estrangeiras e protegidas legalmente como algumas áreas de preservação ambiental e reservas indígenas do Departamento Ultramarino francês, a Guiana Francesa. Segundo a World Wide Fund for Neture - WWF Brasil (Fundo Mundial para a Vida Selvagem e Natureza), desde o fim da década de 1990, com o avanço do preço do ouro, entre 3 mil e 15 mil garimpeiros trabalham ilegalmente na região.

Os garimpeiros, em sua maioria, nordestinos e paraenses, saem em voadeiras e catraias (pequenas embarcações) do município de Oiapoque, distante cerca de 600 km de Macapá, e partem rumo ao lado francês da fronteira. Para chegar até os “varadouros” (caminhos na floresta que guiam os garimpeiros da margem do rio até o garimpo) é necessário subir o rio Oiapoque passando por grandes corredeiras. Diversos naufrágios acontecem devido ao excesso de peso levado pelas embarcações e também pelas condições geográficas do Rio Oiapoque.

Rio Oiapoque, a principal rota do tráfico de ouro no extremo-norte do país.

Crédito: Rafael Aleixo


O sonho de “bamburrar” (ficar rico) é o que motiva boa parte dos garimpeiros a enfrentar todos os esses perigos e condições desumanas nos garimpos clandestinos. Para o garimpeiro Zeca (que prefere ser chamado apenas pelo apelido), de 41 anos, os naufrágios nas cachoeiras são constantes. “Quando subimos o rio, passamos por 17 cachoeiras. Eu já vi muitas embarcações afundarem e perderem todo o material (mantimentos e equipamentos usados no garimpo). Também já vi pessoas morrendo afogadas”.

Zeca nasceu no município de Calçoene, que é vizinho de Oiapoque, onde existe o único garimpo legalizado do norte do estado do Amapá, o garimpo de Lourenço, que é administrado por uma cooperativa de garimpeiros, a Coogal. Com a diminuição da extração de ouro em Lourenço, muitos garimpeiros, incluindo Zeca, partiram para os garimpos da Guina Francesa.


Para alguns garimpeiros, o sonho acaba antes mesmo de cruzar a fronteira.

Crédito: Rafael Aleixo

Segundo o delegado da polícia civil de Oiapoque, Fábio Araújo, o rio é a principal rota do contrabando de ouro na região. Existem dois trechos em que o metal atravessa a fronteira da Guiana Francesa para o Brasil. A primeira é pela região oeste, no sentido da cabeceira do rio, onde os garimpeiros passam por cachoeiras e atravessam com pequenas quantidades de ouro. A segunda, onde o número de garimpeiros é menor, mas a quantidade de ouro é bem maior, se encontra no litoral do Cabo Orange, no Oceano Atlântico – onde também é contrabandeado o ouro vindo do Suriname. Nessa segunda rota, na costa franco-guianense e brasileira, devido às condições do ambiente marítimo, as fiscalizações acontecem em menor número e escala.Em sua vivência nas matas da Guiana Francesa, Zeca passou por 3 garimpos diferentes e teve que se esconder da gendarmerie (polícia franco-guianense) inúmeras vezes. Segundo ele, vários colegas já foram presos e deportados para o Brasil. “A polícia francesa é agressiva quando prendem os brasileiros. Eles batem e maltratam os garimpeiros”. Zeca afirma que muitos, mesmo sendo expulsos, retornam em busca do sonho de “bamburrar”.


Fábio Araújo, delegado da polícia judiciária do Estado em Oiapoque.

Crédito: Rafael Aleixo


O delegado acrescentou ainda que, no último bimestre, foram feitas duas operações especiais em cooperação com a polícia da Guiana Francesa nas duas rotas de contrabando de ouro. Na primeira operação, realizada próximo a cachoeira Grand Rochelle, foram apreendidas quatro pessoas transportando 60 gramas de ouro. Já na outra operação, realizada na foz do rio, no cabo Orange, foram presas três pessoas com 1 quilo de ouro.

Em sua vivência nas matas da Guiana Francesa, Zeca passou por 3 garimpos diferentes e teve que se esconder da gendarmerie (polícia franco-guianense) inúmeras vezes. Segundo ele, vários colegas já foram presos e deportados para o Brasil. “A polícia francesa é agressiva quando prendem os brasileiros. Eles batem e maltratam os garimpeiros”. Mas Zeca afirma que muitos, mesmo sendo expulsos, retornam em

busca do sonho de “bamburrar”.


Zeca afirma ainda que os locais de maior extração de ouro na floresta são gerenciados pelos “donos de garimpo”, que realizam o pagamento dos garimpeiros em Oiapoque. Isso acontece devido ao alto risco de serem presos pela polícia ou exército dos dois países durante o retorno dos garimpos para a cidade. Zeca acrescentou que para essa “garantia de recebimento do salário”, é necessário que os garimpeiros que desejem receber seus salários em Oiapoque, paguem com uma porcentagem do próprio salário, custeando o transporte. Perguntado como o ouro que fica no garimpo sai de lá, ele respondeu cauteloso: “por vias aéreas. Elas são mais seguras”, afirmou.

No trajeto até chegar aos “varadouros” os garimpeiros passam em frente a uma companhia do Exército brasileiro, que está localizada no distrito militar de Crevelândia do Norte, distante cerca de 20 km da cidade de Oiapoque. Apesar disso, nenhuma fiscalização consegue deter a circulação de garimpeiros e objetos transportados para os garimpos.

CIA de Fronteira do Exército brasileiro no distrito de Crevelândia do Norte.

Crédito: Rafael Aleixo


De acordo com o Capitão Alessandro, que é comandante da Companhia Especial de Fronteira do Exército brasileiro, a fiscalização de produtos e mercadorias no rio é dificultosa em razão da existência de duas vilas subindo o Rio Oiapoque, a Vila Brasil e a Vila Bela. “A Vila Brasil e a Vila Bela são abastecidas com mantimentos que saem de Oiapoque. Por isso, não se pode saber o que vai para as vilas e o que vai para os garimpos.”


Essa Companhia do Exército do Brasil tem o poder de polícia por 150 quilômetros na faixa de fronteira. Isso facilita em parte o controle do tráfego de embarcações na região, mas não é suficiente para acabar com o contrabando de ouro. O Exército realiza diversas operações durante o ano e se depara com algumas inovações dos garimpeiros para driblar as fiscalizações.


Com a dificuldade de transportar grandes quantidades de ouro pela rota oeste do rio, os responsáveis pelos garimpos ilegais chegaram a construir até pistas de pouso em meio a floresta fechada. De acordo com o Comandante, o Exército já destruiu inúmeras pistas de pouso clandestinas no lado brasileiro da fronteira.


Danos ambientais


A Rede WWF estima que, a cada ano, 30 toneladas de mercúrio são descartadas no ambiente natural das Guianas. A ONG realizou recentemente seu último vôo do ano sobre áreas localizadas no coração do Parque Amazônico da Guiana Francesa ainda fortemente afetadas pelas atividades de mineração ilegal. Em 13 de dezembro de 2008, os sítios ilegais estavam mais concentrados nas cabeceiras dos principais tributários do Rio Appouague. A Vila de Camopi, cujos residentes pediram para ser integrados ao Parque para limitar sua exposição aos problemas da mineração ilegal, continua cercada de acampamentos de garimpeiros clandestinos.

Segundo a Polícia Federal de Oiapoque, as investigações conseguem interceptar apenas pequenas quantidades de ouro. A PF declarou que a maior parte sai da região sem entrar em Oiapoque, como a rota oceânica.


Rota 1, onde o contrabandeado acontece pela floresta. Já na Rota 2, o ouro passa pelo litoral dos dois países.

Além do ouro, outros produtos são contrabandeados. Segundo o auditor fiscal da Receita Federal em Oiapoque, Marcos Priotto, a fronteira do Brasil com a Guina Francesa é atípica devido a intensa fiscalização no lado francês, passando assim pequenas quantidades de materiais e objetos contrabandeados. Segundo ele, não é pela Guiana Francesa, e sim, pelo Suriname que chegam as maiores quantidades de produtos clandestinos. “Sabe-se que existe uma rota de contrabando, principalmente de cigarros, do Suriname para o Brasil pelo Oceano Atlântico. Os produtos contrabandeados saem de lá (Suriname)



Saúde do garimpeiro

De acordo com professora de Farmácia da Universidade Federal do Amapá, Deise Dantas, no Brasil, as principais atividades ocupacionais com risco de exposição ao Hg (mercúrio) são o garimpo do ouro, a indústria de produtos químicos, elétricos, automotores e de construção e a odontologia.

A exposição crônica ao mercúrio elementar afeta o organismo podendo resultar em uma doença chamada “hidrargirismo” ou “mercurialismo”. Embora não seja o primeiro sintoma, o tremor nos dedos, nas pálpebras, nos lábios e na língua é o efeito mais característico dessa contaminação. “Inicialmente, surge um quadro de sinais e sintomas não específicos que é denominado síndrome “astênico-vegetativa” ou “micromercurialismo”. A síndrome é identificada por neurastenia, hipertrofia de tireoide, aumento da captação de iodo radioativo pela tireoide, pulso fraco, taquicardia, dermografismo, gengivite, alterações hematopoiéticas e aumento da eliminação urinária de mercúrio”, afirma a professora.

Progressivamente, pode haver o desenvolvimento de uma síndrome comportamental denominada “eretismo”, na qual o paciente apresenta um quadro de sintomas que incluem a insônia, timidez, nervosismo, náuseas, perda de memória, tremor, humor instável, ansiedade, sonolência e depressão. Os casos mais graves podem apresentar delírio, alucinações, melancolia suicida e psicose maníaco-depressiva - desordem cerebral que causa alterações incomuns no humor, energia e capacidade de desempenhar funções.


Na primeira rota, o contrabandeado acontece pela floresta. Já na segunda rota, o ouro clandestino é levado pelo litoral e vão para Belém pela costa do Amapá. Algumas quantidades de drogas chegam pelo Rio Oiapoque, mas sabe-se que a maior parte vem por essa via marítima”, afirmou o auditor.



A economia do ouro e a prostituição


O dinheiro do ouro em Oiapoque alimenta e garante o sustento das famílias dos garimpeiros, mas também alimenta outro mercado, o da prostituição.


Segundo Valéria (prefere usar apenas seu nome fictício), de 24 anos, que faz programas sexuais em uma boate da cidade, os seus principais clientes são os franceses, os pescadores da região e os garimpeiros.


Valéria entrou para o mercado da prostituição, segundo ela, devido à falta de oportunidades de emprego na cidade. Essa triste realidade é vivenciada por inúmeras outras mulheres em Oiapoque.


“Na realidade, é por falta de opção. Eu já trabalhei em uma loja e ganhava um salário mínimo. Aqui eu durmo com dois homens e ganho o mesmo tanto”, afirmou. Ela está grávida de 3 meses e diz que vai deixar a prostituição e vai morar em Macapá, para cuidar de seu filho. A família, que mora na Capital, não sabe que ela faz programas e nem que está grávida.


“Eu quero sair daqui e continuar meus estudos”, conta. Valéria ganha em média de 2 a 3 mil reais por mês, mas diz que o custo de vida na cidade também é alto.A reportagem do Cuíra apurou que jovens de outros estados fazem programas em Oiapoque, são as “prostitutas de luxo”, trazidas de outros estados brasileiros para satisfazer o desejo sexual de empresários e garimpeiros da região.


Segundo o garimpeiro Zeca, algumas meninas são “bancadas” e chegam a vir de Macapá e até de Belém para Oiapoque. São mulheres de bela aparência com corpos bem definidos e que buscam na prostituição um meio mais rápido de conseguir dinheiro.


Mesmo com o dinheiro dos garimpos, boa parte da prostituição local acontece por conta dos estrangeiros. Os franceses e guianenses, segundo Valéria, gostam da forma do corpo da mulher brasileira, com curvas sinuosas e a “bunda grande”.O movimento em bares, casas de show e boates são intensos na cidade e viram a noite.


Acordo Bilateral


Já existe um termo assinado entre o Brasil e a França contra a garimpagem ilegal na região. Os presidentes, na época da assinatura do acordo, Luiz Inácio Lula da Silva e Nicolas Sarkozy, da França, assinaram, o termo de cooperação para combater a mineração ilegal de ouro na Amazônia.


Segundo a organização não governamental, WWF Brasil, desde o fim da década de 1990, com o avanço do preço do ouro, entre 3 mil e 15 mil garimpeiros trabalham ilegalmente no território da Guiana Francesa.


No mercado local, em Oiapoque, o ouro usado em jóias custa R$ 86; já o ouro fino, R$ 150

Crédito: Rafael Aleixo


O governo francês também lançou inúmeras operações com o objetivo de acabar com a extração ilegal de ouro, entre elas está uma das mais recentes, o conjunto de Operações Harpia. As operações tiveram vida curta por falta de cooperação transfronteiríça efetiva com o Brasil. Por isso, não foi possível conter o fluxo de suprimentos e logística para as áreas de mineração ilegal, que afetam, particularmente, o Parque Amazônico da Guiana Francesa e as comunidades indígenas.


Do lado brasileiro a maior operação aconteceu no fim de 2015, a Operação Ágata, cujo objetivo foi combater delitos transfronteiriços e ambientais na faixa de fronteira de toda a Amazônia brasileira.



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