Cresce casos de AIDS entre jovens gays
- Joaquim Gatz e Clívia Silva
- 20 de jan. de 2015
- 4 min de leitura
Falha em ações de prevenção da doença é apontada como principal causa para aumento de registros do vírus HIV entre jovens de 15 a 24 anos

O teste que detecta o vírus HIV também diagnostica outras DSTs, como as hepatites B e C
Crédito: Joaquim Gatz
Segundo dados de um relatório anual da UNAIDS - órgão ligado à Organização das Nações Unidas (ONU) - divulgado em julho de 2014, o número de novos casos de AIDS caiu 27,6% no mundo, se comparados os registro de 2005 e 2013. Apesar de o mesmo ter acontecido na América Latina, no Brasil o estudo apontou um aumento de 11% nesse índice, passando de 39,7 mil novos casos em 2005, para 44 mil, em 2013.
O relatório indicou que uma das populações que apresentou maior aumento da circulação do vírus HIV foi a de jovens: o órgão estima que entre esse grupo, o número de portadores do vírus chegou a aproximadamente 1% em 2013. Para a UNAIDS, falhas em políticas de prevenção em grupos de maior risco, como o de jovens gays seriam as causas para o aumento no número de novos casos.
Para Andrey Lemos, consultor técnico do Departamento de Apoio à Gestão Participativa do Ministério da Saúde, a população gay se apresenta como uma das que tem maior vulnerabilidade social por conta da discriminação sofrida em razão da orientação sexual. “É necessário que a gente tenha políticas de ações que promovam o acesso dessa população às políticas públicas”, comenta.
O consultor técnico concorda com o estudo ao afirmar que a incidência da AIDS entre jovens gays é significativa. Em razão da discriminação sofrida na família, escola e outros espaços sociais, esses jovens acabam tornam-se vulneráveis a comportamentos de risco. A exclusão e o preconceito tornam a prevenção um desafio.
António Correia, médico especialista em saúde pública, diz que as políticas públicas brasileiras de saúde têm recursos. O problema é que muitas iniciativas de saúde pública pensadas nacionalmente não são plenamente implementadas por estados e municípios. “Não existe uma adequação da política local para atender a necessidade de cada região”, comenta.
Diagnóstico
De 2005 para 2013, o número de casos fatais por conta da AIDS caiu de 2,3 milhões de pessoas para 1,9 milhões. Segundo o relatório da UNAIDS, apesar de na América Latina também ter ocorrido a diminuição dos casos de morte (68 mil, para 47 mil), o Brasil apresentou aumento de 7% nos dados, passando de 14,95 mil para 16 mil.
António Coreia explica que o crescente número de casos fatais é decorrente do diagnóstico tardio da doença. “Enquanto as pessoas não fizerem o diagnóstico precoce, não conseguirem lidar com a condição de ser soropositivo e não terem segurança quanto à eficiência de políticas de saúde de prevenção à AIDS, esses números serão realidade”, justifica o especialista.
O diagnóstico de infecção do vírus HIV é realizado em clínicas particulares e em centros especializados de testagem administrados pelo poder público. Em Macapá, o teste é realizado gratuitamente no Serviço de Assistência Especializada/Centro de Testagem e Aconselhamento (SAE/CTA).
Pablo Alexander, jovem gay de 18 anos, comenta sobre a importância de realizar o teste: “Se você for soro positivo, quanto mais cedo fizer o teste e detectar o vírus, melhor fica o tratamento. É interessante lembrar que o teste deve ser feito regularmente, afinal, a infecção pelo vírus não ocorre apenas por relação sexual”.
No Amapá, outro problema encontrado nas políticas de prevenção e tratamento da AIDS é a ausência de dados que indiquem quais os grupos sociais onde a incidência da doença é maior. Adriana Coimbra, enfermeira técnica responsável pelo SAE/CTA afirma que unidades dos Centros de Testagem e Aconselhamento já foram instalados em outros municípios do Amapá, entretanto, nenhum deles registra dados que especifiquem quais grupos apresentam maior porcentagem entre os pacientes diagnosticados com o vírus.
Abandono do tratamento
Dados do estudo da UNAIDS indicam que aproximadamente 10% dos pacientes com AIDS abandonam o tratamento em menos de 12 meses. Para a enfermeira responsável pelo CTA no Amapá, uma das causas que justificam a desistência do tratamento está ligada aos efeitos dos medicamentos. “As maiores queixas dos nossos pacientes são os efeitos colaterais dos antirretrovirais. Alguns sentem sonolência, às vezes dores estomacais”, diz a responsável pelo CTA.
Adriana Coimbra comenta também que, segundo uma pesquisa realizada no final de 2014, ao se estudar um determinado número de pacientes em tratamento, observou-se que aqueles que tomavam a dose única do antirretroviral apresentavam menos queixas de efeitos colaterais comparados aos que tomavam mais de um medicamento.
António Correia reconhece que há dificuldades em se afirmar a real causa de abandonos de tratamento. Antes, muitos medicamentos de controle da AIDS eram consumidos pelo pacientes em tratamento sem teste que comprovassem possíveis efeitos colaterais. “As drogas que existem hoje são mais brandas, em doses únicas diárias, portanto não há mais a razão antiga de abandonar o tratamento por ele ser difícil de cumprir”, justifica o médico.
Políticas eficazes
Especialistas indicam que algumas estratégias de prevenção devem ser repensadas. Ações de educação sexual poderiam ser aplicadas de forma eficiente em instituições de ensino, com linguagem clara e adequada.
A população de jovens gays, por exemplo, compreende a importância de se usar preservativos durante o ato sexual, mas o desafio é estudar formas de fazer com que esse público não abandone o hábito sexual, como ocorre normalmente.
Também é importante que as políticas de saúde incentivem a realização dos testes nos centros especializados. Em casos de infecção pelo vírus, quanto mais cedo o diagnóstico, mais eficaz é o tratamento. “O HIV existe e ainda não tem cura. As pessoas não deixam sua sexualidade de lado, praticam relações sexuais, e então é preciso que isso aconteça de forma segura”, aconselha António Correia.
A capacitação de profissionais também tem grande importância nesse cenário. “Precisamos fazer com que a formação dos profissionais da saúde contemplem as temáticas de orientação sexual. Práticas como essas fortalecem os mecanismos de participação e consolidação de uma efetiva política de saúde para esse público no país”, explica Andrey Lemos, consultor do Ministério da Saúde.
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