Pacientes enfrentam dificuldades no tratamento de câncer
- Eliana Lopes, Acácia Farias e Jamylle Nogueira
- 20 de jan. de 2015
- 6 min de leitura
A falta de estrutura física e recursos explicam o atendimento precário a portadores da doença no Amapá

Roberto Marcel, critica falta de condições para atendimentos a pacientes com câncer
Crédito: Eliana Lopes
“Se você tiver um bem, venda. Se precisar pedir ajuda para os outros, peça, mas vá em busca de sua saúde, porque se permanecer no Estado do Amapá, você morre”. Esse relato é de Maria Iraci Silva, professora e paciente em tratamento de câncer de mama. Ela realiza tratamento fora do estado há 11 meses. Maria recebeu o diagnóstico da doença no período em que a mãe era tratada contra um câncer na bexiga na Unidade de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia (Unacom). A mãe não resistiu e morreu durante o tratamento.
Maria Iraci Silva conta que inicialmente pensava em se tratar em Macapá próxima da família. No entanto, as dificuldades enfrentadas durante o tratamento da mãe fez com que ela procurasse ajuda fora do estado. A alternativa foi buscar o Tratamento Fora de Domicílio (TFD), que consiste em uma ajuda financeira do poder público ao paciente e, em alguns casos, também ao acompanhante, encaminhados por ordem médica a unidades de saúde de outro município ou Estado da Federação, quando esgotados todos os meios de tratamento na localidade de residência do mesmo.
Maria conta que o processo para custear o tratamento pelo TFD é burocrático demais e a alternativa encontrada por ela foi a busca pelo atendimento por conta própria. “Aquilo ali está para dificultar o tratamento, pois a demora é grande. Quem tem câncer, tem pressa. Não podemos ficar esperando, o atendimento tem que ser imediato”, relatou.
Um recente estudo divulgado pelo Instituto Nacional do Câncer (INCA) aponta para três necessidades básicas da prática médica oncológica no Brasil: buscar a prevenção e um diagnóstico mais inicial do câncer; disseminar o conhecimento e a prática de cuidados paliativos; e incorporar sistemas uniformes e informatizados de registro de dados hospitalares.
Conforme a Portaria nº 874/GM de 16 de maio de 2013, que infere sobre a Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer, o atendimento integral a qualquer doente com câncer, deve ser garantido por meio das Unidades de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia (Unacon) - de competência das Secretarias de Estado - e os Centros de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia (Cacon) - mantidos pelas Secretarias Municipais de Saúde.
O Estado do Amapá possui apenas uma Unacon, localizada nas dependências do Hospital Alberto Lima. No órgão são feitos diagnósticos e definido o tipo de tratamento.
No entanto, as dificuldades começam antes mesmo do diagnóstico da doença, pois, alguns exames são realizados em outros estados e a demora acaba atrasando o início do tratamento. “Atualmente, muitos tipos de câncer são curados, desde que tratados em estágios iniciais. Dessa forma, torna-se de fundamental importância o diagnóstico precoce da doença”, explica a especialista em Saúde Coletiva, Rosana Nascimento.
Segundo o diretor da Unacon, Roberto Marcel, existe uma crise no atendimento aos pacientes com câncer no Estado. “A Unacon sofre uma crise sem precedentes atualmente. O ponto mais grave é a falta de medicação, faltam remédios essenciais para o atendimento ambulatorial que realizamos aqui”, relata. O médico afirma que são realizados cerca de 300 atendimentos mensais na unidade e, mesmo aqueles pacientes que não se encontram internados, precisam de medicação permanente como medida paliativa, ou seja, para amenizar os sintomas da doença e os efeitos do tratamento.
Roberto Marcel lamenta a situação. “Acionamos a Secretaria de Saúde, que dá um prazo de 2 dias para entrega do remédio, por exemplo. O prazo não é cumprido e acionamos novamente. É assim: ficamos cobrando até que eles entregam algumas vezes, outras vezes não”, afirma.
Diane Núbia Nogueira, de 36 anos, filha de uma paciente com câncer que morreu em março critica a falta de atendimento integral aos pacientes e familiares de pacientes. “No período em que minha mãe estava em tratamento, senti falta do acompanhamento integral no sentido de proporcionar ao doente todos os cuidados visando melhores condições de vida, inclusive apoio psicológico para aqueles que não puderem ser curados. E isso minha mãe não teve”, lamenta.
Ela lembra que durante o tratamento da mãe faltavam objetos essenciais que uma unidade de saúde deve ter. “Houve dias em que tivemos que comprar agulhas para administração de medicamento na veia”, relembra.
Segundo o presidente do Instituto do Câncer Joel Magalhães (Ijoma), Padre Paulo Roberto da Conceição, a instituição atendeu desde sua fundação, aproximadamente 1 mil a 1,5 mil pessoas com câncer. No banco de dados constam 400 cadastrados. O Ijoma é uma organização civil que procura atender a demanda de pacientes com a ajuda de doações e parcerias.
Sobre melhorias no atendimento de pacientes com câncer em tratamento, Padre Paulo é categórico ao dizer que deveriam começar do zero. “O Estado deveria atender os pacientes para suprir a parte curativa e traçar um perfil social do doente, minimizar a corrupção e assim, fazer o que lhe é dever, criar um laboratório de patologia, equipar a farmácia, aumentar a estrutura da Unacom, dentre outras coisas”, explica.

Unidade de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia (Unacon)
Crédito: Agência Amapá
Quem tem câncer, tem pressa

O diagnóstico precoce da doença aumenta as chances de cura e reduz a mortalidade de paciêntes
Crédito: Marta Bezerra
O diagnóstico da minha irmã foi um processo bastante demorado. Ela deu entrada no pronto atendimento, com dores muito fortes na região do abdômen e o médico disse que ela estava com hepatite, sem ter feito qualquer exame para tal diagnóstico.
O tratamento indicado para hepatite durou 20 dias, e após esse período ela apenas piorava. A pele e os olhos ficavam cada vez mais amarelos, além da coceira que tinha por todo o corpo.
Com os sintomas ainda prevalecendo, resolvemos entrar com o pedido de atestado para levar ao trabalho dela, por meio do INSS, que arcou com as despesas dos exames que detectaram o câncer no pâncreas.
Foi uma situação muito complicada e difícil de enfrentar, devido à agressividade com que a doença tinha atingido seu corpo. Foi tão avassalador que ao detectar o tumor, o médico pediu para chamar apenas os acompanhantes da minha irmã, no caso eu e minha mãe. Nesse momento ele disse que o câncer estava tão avançado, que minha irmã tinha somente seis meses de vida. Foi um choque muito grande, pois nunca estamos preparados para receber uma notícia como essa.
Resolvemos não contar a ela sobre o seu tempo de vida. Então ele a encaminhou para o setor de oncologia para fazer uma cirurgia de emergência. Quando todos os procedimentos estavam prontos e minha irmã foi para a sala de cirurgia, o médico pode detectar que ela estava com um dos cânceres mais agressivos, que é o Adenocarcinoma. Ele retirou durante o procedimento um pedaço do peritônio, vesícula e fígado, para mostrar para a família, indicando que todos esses órgãos já estavam contaminados pela doença, e segundo ele não poderíamos fazer nada a respeito, restando apenas ter fé em Deus e o tratamento paliativo com alguns remédios para amenizar as dores. Ficamos muito tristes, porque já perdemos meu pai para o mesmo tipo de câncer que se alojou no estômago. É algo inexplicável.
Com a doença em estado avançado não foi possível iniciar o tratamento de quimioterapia, mas ainda formos à oncologia para que ela tomasse medicamentos contra suas dores. A equipe médica da oncologia é muito dedicada, profissional e responsável, porém o que dificulta para que os pacientes realizem o tratamento e para que a equipe possa realizar seu trabalho com maior eficácia é a estrutura do prédio e a ausência de medicamentos para tantas pessoas que são diagnosticadas em nosso Estado.
Quando eu estava lá com minha irmã, notei que o prédio sofria com infiltrações e falta de leitos. Além disso, como há muitos pacientes em estágio terminal de câncer, eles não ficam internados porque precisam liberar leito para atender outros pacientes. Isso foi o que aconteceu com a minha irmã, ela apenas tomava os medicamentos e voltava para casa.
Minha irmã foi muito forte durante todo esse processo, mas infelizmente não resistiu, e, em outubro de 2014 ela faleceu em casa com uma parada cardíaca. Os paramédicos ainda tentaram reanimá-la, porém, não tinha mais o que pudesse ser feito. Maria Benedita faleceu aos 50 anos, deixou um filho de 8 e uma filha de 25 anos. Então minha queixa quanto ao caso de câncer no Amapá é que as pessoas não têm diagnóstico rápido, nem um atendimento rápido.
Mesmo nos últimos momentos de vida, minha irmã ainda conseguiu ser atendida na oncologia. Mas infelizmente isso acaba sendo exceção, pois conheço casos de pessoas que nem sequer entram na oncologia, que morrem na lista de espera. Eles dizem que vão ligar para o paciente quando houver vaga e infelizmente não dá tempo, porque o câncer não espera, ele só aumenta.
Então com todo esse descaso com a minha irmã e com tantas outras pessoas que morrem de câncer aqui, fica uma reflexão para nós, de também focar na prevenção, pois, na correria do dia a dia não temos tempo de cuidar de nossa saúde, vamos adiando, adiando, e esquecemos que somos uma máquina que pode parar a qualquer momento.
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