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Na rota dos flanelinhas

  • Luanderson Guimarães
  • 20 de jan. de 2015
  • 5 min de leitura

Reportagem do Cuíra acompanhou a rotina dos conhecidos guardadores de carros e revela histórias de superação e relatos de preconceito

Em muitos casos, a renda dos flanelinhas é destinado ao sustento de toda uma família

Créditos da foto: Cássia Lima

Em Macapá, é cada vez mais comum encontrar nas ruas da cidade pessoas que trabalham como guardadores de carros. Os chamados flanelinhas são parte do cenário urbano e são responsáveis por vigiar e lavar automóveis em estacionamentos movimentados da região Central.


De acordo com a Legislação vigente, a profissão de Guardador e Lavador de Veículos foi criada pela Lei Federal n° 6.242/1975, sendo regulamentada pelo decreto 79.797/1997. Cada município tem que regulamentar essa profissão em território municipal. Atualmente, apenas três capitais brasileiras regulamentaram a atividade, são elas: Belo Horizonte, Cuiabá e Curitiba.


Nos locais onde a atividade não foi regulamentada, ser flanelinha torna-se ilegal. A legislação configura a prática como contravenção - exercício ilegal de profissão - ou mesmo um crime, se associado à prática de extorsão, formação de quadrilha ou loteamento de espaço público. O guardador de carros nesse caso recebe pena de três meses a um ano de prisão.


No Estado do Amapá não há nenhuma lei específica que regulamenta a atividade. Apesar disso, o loteamento de espaço público pelos flanelinhas é algo comum. Em 2012, os deputados estaduais discutiram alternativas para criar uma associação dos guardadores de carro e com isso regulamentar a profissão. No entanto, nada ainda foi feito para garantir o reconhecimento da atividade realizada pelos flanelinhas.


A presença dos guardadores divide opiniões entre os motoristas. De um lado, a flanelinha quer fonte de renda, de outro, os condutores se sentem coagidos pelos autônomos. Muitos se sentem intimidados e reclamam do preço abusivo que muitas vezes são cobrados por alguns flanelinhas.


“Eu acho que eles deveriam ser retirados das ruas, eu pago quase vinte reais por dia em estacionamento, em locais que eu poderia muito bem parar sem pagar nada, mas como eles ameaçam muitas vezes arranhar os carros se não pagarmos, eu acabo tendo que pagar”, relata o motorista George Almeida.

Uma servidora que não quis se identificar por medo de represália comenta que trabalha no centro da cidade e já teve seu veículo arranhado três vezes. Segundo ela, os arranhões só terminaram quando fechou um acordo de pagamento semanal com um das flanelinhas que ficam em frente à área que ela trabalha.


Ela ressalta que não faz acusações diretas a nenhum dos guardadores, mas, em conversa com outros colegas de trabalhos, descobriu que não havia sido a única a ter o carro danificado. “Outras pessoas também pagam uma taxa aos flanelinhas para estacionar em via pública. É um acordo que precisamos fechar para preservar nossos veículos”, conta.


Rotina de trabalho


Apesar do preconceito, muitos guardadores sustentam a família com essa atividade. É o caso de Aroldo José, 36 anos, que trabalha na Rua Cândido Mendes, próximo à Agência do Banco do Brasil, no centro de Macapá. No sol e na chuva, o autônomo enfrenta humilhações de motoristas.


Aroldo José nasceu em Calçoene, a 360 km da Capital. Ele se mudou para Macapá com a esposa e mais quatro filhos em busca de oportunidades de trabalho. O trabalho como descarregador de caminhões não trazia segurança de dinheiro todo o final de mês. E quando não tinha trabalho, a família passava fome. Na companhia do filho Gustavo Dias, 18 anos, percebeu que algumas pessoas ganhavam a vida reparando os carros dos “Patrões”, termo usado pelos guardadores para chamar os motoristas que autorizam a reparação dos seus carros. Foi assim que surgiu a ideia de trabalhar como guardador de carros.


Mas começar o trabalho não é tarefa fácil. “Não é apenas chegar e dizer ‘Oi senhor posso reparar seu carro?’”, diz o guardador. O primeiro desafio é buscar um espaço nas ruas que não estejam demarcados por outras flanelinhas. Cada guardador tem sua rua e região demarcados.


Aroldo e o filho, logo se deram conta que a região próxima aos dois bancos que ficam na Candido Mendes, esquina como Palácio do Governador, era um local de muito fluxo de carros. Foi ali que há dois anos trabalham em uma rotina que começa cedo e segue até o sol se por.


Todas as manhãs, Aroldo se prepara para o trabalho; toma seu café preto com um pão, acorda seus filhos para irem à escola e chama o filho mais velho para ir ao seu local de trabalho. O trajeto da casa no bairro Pacoval, zona norte de Macapá a até a Cândido Mendes, no centro, demora em torno de quarenta minutos e é feito a pé.


Debaixo das árvores e com pedaços de papelão nas mãos, lá vêm eles a cada carro que se mostra interessado em estacionar. Eles se aproximam bem devagar e ajudam muitas vezes o motorista a entrar em vagas bem estreitas. Se o motorista autoriza, colocam o papel como forma de impedir a entrada do calor, afinal cada detalhe é um agrado a mais aos condutores.


Assim que o condutor começa a abrir a porta do seu veiculo, Aroldo vai logo dando bom dia ou boa tarde.

- Vamos reparar seu carro senhor (a)?, diz Aroldo.


O serviço conta com atendimento personalizado. O guardador ajuda o condutor a abrir a porta e muitas vezes segura as sacolas. Para Aroldo, dessa forma, os condutores se sentem mais a vontade.


A simpatia é marca registrada de Aroldo. Por detrás de olhos fundos, com marcas de rugas no rosto e braços manchados pelo sol, pés maltratados e roupas esfarrapadas, o guardador não esconde o cansaço. Ao mesmo tempo, ele demonstra um leve sorriso com todos que ele enxerga.


Perguntando sobre o que incomoda Aroldo, a resposta é rápida. “Não me importo de o “Patrão” não me pagar, pois eu sei que quando eles têm logo me dão, mas sabe mesmo o que mais deixa triste e com vontade de desistir de tudo, é as pessoas acharem que nós aqui somos vagabundos”, comenta.


Aroldo já pensou em deixar a atividade e procurar outro trabalho, mas assume encontrar dificuldades de um emprego por não ter concluído o ensino fundamental. O guardador de carros estudou até a 3ª série e não sabe ler nem escrever muito bem.


O maior sonho de Aroldo é trabalhar de carteira assinada. Mas enquanto isso não acontece, ele permanece ali, debaixo da árvore, sempre a espera de mais um carro para vigiar. Com um leve sorriso no rosto e gentileza, deixa um recado.


- “ As vezes as pessoas não me dão nada, mas o simples fato de me darem Bom dia, ou Boa Tarde já me fazem bem, pois assim eu sinto o respeito por parte deles”, diz Aroldo.



 
 
 

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