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O sucesso da curta vida do garoto Nicotina

  • Rafaela Bittencourt
  • 23 de ago. de 2017
  • 3 min de leitura

O que é o sucesso?


Pode ser conquistar algo em pouco tempo, ser extremamente conhecido ou poderoso ou, quem sabe, ter a liberdade para fazer o que quiser. Parecem situações de prestígio e positivas, afinal, isso pode resultar em um melhor desempenho no trabalho ou, talvez, mais felicidade ao se ter contato com aquilo que te dá mais prazer, essas são coisas que a maioria das pessoas gostariam de conquistar em sua vida para alcançar um sentimento de plenitude.


Apresenta-se, então, Nicotina. Garoto serelepe de 13 anos, gostava de se contorcer e escalar, teria tido uma carreira circense de renome, caso tivesse tido a oportunidade de ser apresentado à outras opções de realidade, um acesso à educação qualificada poderia ter lhe dado um rumo diferente, quem sabe? Contudo, Nicotina usou seus grandes dons para cometer pequenos furtos em residências do bairro Infraero II, durante todo o ano de 2009. Nicotina era o pivete viciado em crack e requisitado por todos os chefões do bairro para cometer os crimes, seu currículo era invejável para outros de sua área: de menor, pequeno, se enfiava em qualquer buraco e era rápido. Seu estrago foi grande.


Alguns dos moradores se assustavam ao acordar pela manhã e perceber que foram vítimas do “maldito” Nicotina.


“Esse garoto não presta”, era o que diziam. “Parece um fantasma, ninguém vê, as coisas só somem”, comentavam.


Nicotina só tinha um defeito em sua carreira de sucesso: era viciado. Daí vinha seu apelido. Isso foi sua ruína, assim como foi para grandes nomes, vide Kurt Cobain, Heath Ledger, Amy Winehouse, entre (muitos) outros.


Porém, ao contrário de tanta gente de “sucesso”, a morte de Nicotina não foi uma causa direta, mas sim indireta. Sua carreira era promissora, mas também carrasca. Não sobrava nem para o seu cigarro de todo dia. Acabou não conseguindo sustentar e foi encontrado morto perto de um matagal qualquer de um lugar qualquer.


“Esse aí eu já sabia”, se vangloriou o morador na época. “Garoto assim só para quando mata”.


Gabriel, O Pensador já dizia em sua letra “idade 14, estado civil: morto”. Isso entra no imaginário do povo. Mas é comum, o artista que vive só até os 30 anos, o pivete marginal que só vive até os 14. O caso não é ao acaso.


Encontrei a mãe do moleque, não quis dizer nome, porque mãe de pessoas odiadas precisam ser preservadas; ela contou uma grande reviravolta: “Quem matou meu filho não foram os bandidos, foi a polícia”. Ouvindo isso fiquei um pouco surpresa, mas não tanto. Como se surpreender com a polícia no Brasil, Amapá, Macapá?


Aqui, onde os casos de policiais com dedos nervosos no gatilho estão se tornando rotineiros. As manchetes esbanjam que o pai de família levou um tiro de um policial por apenas ter o carro parecido com o de outra pessoa, ou homem que ficou com problemas físicos após tentar apartar discussão de um PM em algum lugar.


A gente entende que Nicotina era um garoto levado, no sentindo mais brando da situação. Mas não vamos julgá-lo, porque isso a sociedade fez todos os dias de sua curta vida e até mesmo após. E fizemos isso todos, até hoje, desconsiderando a soma das partes, o todo da história e a necessidade de uma compreensão social que constrói garotos viciados que se inserem no mundo do crime para morrer. Também não vamos julgar a morte dele necessária, a variável da sua reabilitação poderia partir para qualquer direção, mas não temos como torná-la absoluta por ideais arraigadas ao absolutismo do senso comum.


E matar ele não é punição por seus crimes, afinal, “a única punição para crimes que pode ser aplicada hoje no Brasil é a privação da liberdade, nenhum direito a mais nem a menos”, como destacou o juiz João Marcos, durante a inauguração de um Centro de Custódia que finalmente dará tratamento adequado aos presos sob Medida Provisória, ou seja, não acusados, doentes mentais ou viciados, que precisam de assistência para poder existir a reinserção social.


E pegando o gancho da reinserção social, não esqueçamos de que, quanto mais você marca a fera, mais agressiva ela pode se tornar. Isso também é uma variável, mas é uma possível.


Mas Nicotina estava morto e era pelas mãos da polícia. Vida que segue, Nicotina se foi, de fato, deixou diversas histórias, seu grande legado de terror e até mesmo admiração por sua capacidade de entrar em qualquer lugar jamais será esquecido pelos moradores do Infraero II.


Hoje sua carreira colossal é contada entre risadas, entre os vizinhos na frente de casa. Falam de como ele era “catita”, de que moleque como aquele nunca viram igual. Sucesso para alguns é ser lembrado, não é? Nicotina, garoto de sucesso.



 
 
 

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