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De Bira para Aldo

Se por um lado as noites de sábado eram mais longas, marcadas pela ansiedade, pela vontade de que o outro dia chegasse para que sonhos se realizassem; por outro, as manhãs de domingo eram mais ensolaradas, mais bonitas, mais festivas, mais propícias para uma “jogada em família”. E na família Espírito Santo, como o próprio nome já sugere, as religiosidades vêm em primeiro lugar, mas o futebol vem logo depois. Talvez se Seu Herundino e Dona Joana Maria descrevessem essa importância, seria exatamente com a frase em seu sentido literal: “Deus no céu, e o futebol na terra”. Terra esta, que não é qualquer uma. São os campos de terra batida, que tanto revelou personalidades, e hoje deram lugar aos gramados verdes sintéticos da Praça Nossa Senhora da Conceição.


E por falar em Nossa Senhora da Conceição, como já foi bem dito, os deveres religiosos sempre estiveram em primeiro plano nessa família de um talento futebolístico inenarrável até para os mais profissionais e experientes narradores e comentaristas. Seu Herundino e Dona Joana criaram seus cinco filhos como os mestres da arte do futebol e, por muito tempo, todos eles trilharam esse caminho. Entre os cinco, lá estavam aqueles que dominariam o Amapá e o mundo: a dupla imbatível, os irmãos-talento, Bira e Aldo.


Para eles, os domingos de manhã sempre foram mais especiais pelas missas sagradas, mas, principalmente, por saberem que, após o dever cumprido, os sapatos corretamente engraxados dariam lugar às chuteiras, e as roupas devidamente engomadas, preparadas com todo cuidado na véspera, seriam substituídas pelos calções. Só então poderiam colocar para fora aquilo que eles sabiam fazer de melhor: jogar! E onde? No campinho da praça que atualmente é o palco de um dos maiores espetáculos a céu aberto, a Copa do Mundo Marcílio Dias.


Bira


“Quando eu cheguei para a decisão do Campeonato Brasileiro de 79, eu não sabia o tamanho da dimensão. Vasco e Internacional. Cem mil pessoas no Beira Rio e eu, um garoto do bairro do Trem, garoto pobre e ser um dos protagonistas do espetáculo, foi a maior glória da minha vida”.


Essa é uma das lembranças mais marcantes que Ubiratã Silva do Espírito Santo, mais conhecido como Bira, se recorda durante sua longa e aventureira caminhada enquanto atacante profissional de futebol. Pela imensidão de acervos vitoriosos e quantidade de gols, você seria levado a pensar que Bira fora revelado por clubes consagrados, considerados os maiores das regiões sul e sudeste do Brasil, isto é, as mais desenvolvidas do país. Mas não. Ubiratã possui raízes tucujus e origem humilde, e foi descoberto aqui mesmo, parafraseando o poeta Zé Miguel, “na esquina do rio mais belo, com a linha do equador”.


Tudo começou na esquina mais famosa do bairro do Trem. Hoje conhecida como a “Calçada da Fama: Esquina democrática”, a Avenida Diógenes Silva com a Rua Leopoldo Machado foram os primeiros passos do garotinho, que anos mais tarde, se tornaria o maior artilheiro da região norte em uma só temporada. O campinho era de poeira, ali mesmo perto da casa de seus pais, era o momento da pelada, das brincadeiras com a vizinhança, até chegar uma oportunidade de fato para se lapidar um talento.


Foi na Paróquia de Nossa Senhora da Conceição que Bira começou a jogar futebol de verdade. Para ele, a religião combinou com o esporte, além de trazer responsabilidade ao jovem na época. “A gente só jogava bola se nós fôssemos para missa. Então unia o útil ao agradável. Você tinha o seu cartãozinho, de que missa você foi, e depositava lá. Aí o padre conferia. ‘Então você vai jogar futebol’”, relembra o ex-futebolista.


Na paróquia da igreja existiam três campos de futebol, e foi com base na vontade dos garotos de jogar bola, que os padres fundaram o movimento da extinta Juventude Oratoriana do Trem. Assim surgia a JOT, que no ano de 1963, seria o embrião do maior clube de futebol em titularidades do campeonato amapaense: Ypiranga Clube.


O ano era 1967 e Bira tinha apenas 12 anos de idade quando vestiu a camisa do primeiro time. “Reminho” era o nome, equipe do Raimundão, e de acordo com o médico e jornalista Leonai Garcia, no livro “Bola de Seringa”, o nome se originara da imensa paixão e fanatismo do jogador com o Clube do Remo.


Para todo garoto “fome” de bola, qualquer objeto que se assemelhe a uma forma circular já bastaria para jogar. Com Bira não foi diferente, a vontade era imensa, mas ainda assim, no início ele não tinha aquele espaço de titular conquistado. O jovem era considerado como um tapa-buraco. “Quando faltava jogador no treino Bira ocupava a posição, qualquer que fosse. Jogou até de goleiro”, escreve Leonai.


Três anos mais tarde, Bira então com 15 anos, passou a ser roupeiro, àquele que trocava, lavava e transportava os uniformes, do Esporte Clube Macapá. Não demorou muito para que o jovem, ainda na adolescência, se destacasse. “E com 16 anos, eu de roupeiro, passei a titular do time juvenil do Esporte Clube Macapá”, recorda.


A glória estava tomando os primeiros rumos na vida de Bira. Em 1972, o craque fez parte do time dos aspirantes, ainda no E.C. Macapá. Com um marco de 32 gols, ele, junto com Canarana, Kipilino, Lins, João do Bolão, Balalão, Jonas, Munjoca, Doca, Mariozinho e Célio foram campeões invictos pelo time tucuju. E no mesmo ano, pela decisão do novo técnico do time azulino, Lourival Lima, conhecido popularmente como “Chibé”, Bira é promovido ao time titular.


Os momentos de derrotas chegam para todos e, o Amapá Clube venceu o E.C. Macapá na final do campeonato amapaense de 1973, quando o jovem de apenas 17 anos, em uma cobrança de pênalti, perdeu a chance de conquistar o título para o time azulino.


Porém, como a vida é marcada de reviravoltas, Bira, ao lado de seu irmão prodígio Aldo, conquistou o I Copão da Amazônia, que aconteceu em Rondônia no primeiro semestre de 1975. O E.C. Macapá derrotou o Ferroviário de Rondônia por um incrível placar de 3x0.


Não demorou muito para que Bira pudesse ter a oportunidade de mostrar seu talento longe das terras tucujus. Após deixar um legado imenso de vitórias no time azulino, o craque já começa o ano de 1976 com notícias boas. No primeiro dia do ano, ele desembarca na cidade de Belém, com um propósito: Paysandu Esporte Clube, o famoso Papão da Curuzu.


Segundo o ex-futebolista, o Amapá ainda não tinha a parte técnica dos jogadores, existia apenas a vontade e raça de jogar. “O Amapá era um celeiro. Como nós não tínhamos profissionais, tínhamos que ir para Belém desenvolver o nosso futebol”, explica Bira.


Por problemas burocráticos e irregularidades na documentação, o jogador ainda em 1976, passou a defender o maior rival paraense do Paysandu: o Clube do Remo, famigerado Leão Azul. Desde o seu primeiro jogo, quando o amapaense fez dois gols contra o Papão, o Remo, durante três anos, tornava Bira um de seus maiores fenômenos.


Ele conquistou o tricampeonato paraense de 1977, 1978 e 1979. E vale bem lembrar que no último ano foi artilheiro da temporada, com a incrível marca de 32 gols, até hoje nunca batida por outro jogador. “Eu sou o maior artilheiro da história do futebol do Pará. Então o que é que eu posso querer mais, né? ”, relembra Bira, com um tom de dever cumprido.


Após o placar final de 2x1 em cima do Paysandu, toda a equipe do Leão Azul foi comemorar a chegada de mais um título, como bem escreve Leonai Garcia: “Bira saiu para a festa com os companheiros de equipe Marajó e Clóvis. Tudo por conta da diretoria azulina”. A alegria era tanta que até os bares de Salinas foram fechados, mas a comemoração não duraria muito, pois mais um degrau seria construído na vida de Bira. Dessa vez, bem mais longe de Macapá.


Em meio a festa da comemoração, Bira descobriu que estavam à sua procura na capital paraense. Segundo ele, foi o dono de um bar de Salinas que o avisou. “Eu cheguei no bar, o cara falou para mim ‘É você que é o Bira? Olha, estão atrás de ti lá em Belém, rapaz’”, relembra. Pelo tom de voz do dono, o jovem de imediato pensou ter perdido alguém da família, e a alegria presente foi substituída por preocupação.


Ainda meio desnorteado, Bira pegou a estrada e seguiu em direção a capital. “Eu preocupado, nem sei como cheguei em Belém, vim adoidado a mais de 110 por hora”, recorda. Quando chegou na sede do Remo, o desespero em achar Bira estava presente nos olhares dos dirigentes. “Foi quando o Dr. Manoel me falou: ‘Rapaz, vai para o aeroporto agora que eu já te vendi para o Internacional’”, conta o ex-jogador com tom risonho na voz.


E foi assim, no calor da emoção e em meio a festa do título do Leão Azul, que Bira conquista mais uma vitória no jogo da vida. “A festa duraria pouco, porque o Internacional de Porto Alegre comprara o seu passe aos remistas”, recorda Leonai no livro “Bola de Seringa”.


“Quando eu cheguei no Internacional, tinha oito jogadores da seleção brasileira e mesmo vindo de um time pequeno, eu não fui subestimando porque eu cheguei no Sul com um cartel de 32 gols do campeonato paraense”, se orgulha Bira.


A chegada do jogador no Internacional lhe valeu o apelido de “Bira Burro”. Muitas histórias se repercutem para o surgimento desse apelido. “Cheguei a Porto Alegre com o apelido de Bira Burro. Na verdade, ganhei este lindo nome porque escolhi vir para o Inter e não para o Flamengo. O Mengo tinha Zico, Adílio, Tita, Júnior, mas eu queria jogar com o Falcão, Mário Sérgio, Valdomiro e ser treinado pelo Ênio Andrade”, conta Bira em entrevista gravada à Rádio Guaíba. Outra suposição pitoresca que gira em torno do apelido foi quando o craque ao ser presentado com um “motorádio”, disse: “Vou dar a moto para o papai e o rádio para a mamãe”.


A passagem pelo colorado lhe rendeu o título do Brasileirão de 1979 e o Campeonato Gaúcho de 1981, além do vice-campeonato da Copa Libertadores da América, de 1980. Durante esse período nos anos 80, Bira jogou poucas partidas pelo Inter, pois foi emprestado por seis meses para a Universidade de Guadalajara, do México.


Dois anos depois, a camisa já era outra. A vez agora era do Atlético Mineiro. Logo após a conquista do tetracampeonato mineiro, Bira teve leves passagens em outros clubes nacionais, entre eles o Juventus, do São Paulo (campeão da Taça de Prata de 1983); Novo Hamburgo, do Rio Grande do Sul, Clube Náutico Capibaribe, do Recife (campeão pernambucano de 1984); Central de Caruaru, do Pernambuco; Catuense, da Bahia e por fim, o Brasil de Pelotas, do Rio Grande do Sul.


Chegou 1989 e com ele a volta às raízes nortistas. O jogador que deixou um dos maiores legados do futebol amapaense, retorna ao Clube do Remo e com ele uma nova missão: treinador.


“Eu sou campeão do Oiapoque ao Sul, e o que é que eu ainda quero mais? Só não quero morrer agora. Aqui em Macapá, as pessoas não valorizam muito seus ídolos, mas graças a Deus, em Belém do Pará, Rio Grande do Sul, Belo Horizonte, eu chego no estádio ovacionado. Isso me orgulha muito”.


Aldo


Aldo, como filho caçula da família Espírito Santo, herdou todos os genes talentosos de sua árvore-genealógica, principalmente do pai Herundino, do irmão Bira, que por tempos seguiu no futebol, e do irmão Assis, que teve uma breve passagem nas quatro linhas do jogo, mas depois seguiu nos outros campos da vida.


Sua história, ironicamente, começa em uma casa localizada em frente à praça Marcílio Dias, no Bairro do Trem, no dia 7 de setembro de 1957, pelas mãos de uma parteira. Certamente seria o destino, pois os primeiros passos de Aldo frente ao seu consagrado legado futebolístico, foi dado lá mesmo, na praça da Nossa Senhora da Conceição.


Aos 16 anos conseguiu chamar atenção de Lourival Lima, então treinador do time do União Esporte Clube, clube em que jogou na posição de volante, mas não ficou por muito tempo. Menino prodígio, Aldo logo abrilhantou os olhos da comissão técnica do Esporte Clube Macapá, o azulino, aceitando treinar, mais como uma ordem do pai, em meados de 1975.


O jogador conta que como um bom filho e um bom amapaense, “nós começamos ingressando no Esporte Clube Macapá, um time em que meu pai jogou e que jogavam os meus cinco irmãos, então todos nós que começávamos crescendo, tínhamos que ir para o Macapá. E o papai ordenou isso pra gente”, relembrou.


Ele ficou até o fim de 1976 no azulino. Nesse período, teve direito até a desfile nas ruas da cidade de Macapá no alto do carro do Corpo de Bombeiros em comemoração ao título do I Copão da Amazônia. E como já era de se esperar, Aldo não decepcionou, foi destaque na final, quando fez um dos gols do placar de 3x0 do Macapá em cima do Ferroviário de Rondônia.


Após isso, as terras tucujus ficaram pequenas para tamanho talento e graciosidade com a bola nos pés, era quase um “passe de mágica”, então o dirigente do Esporte Clube Macapá, Raimundo Anaice, realizou uma negociação com o time do Paysandu. Com passagem comprada e teste marcado, a lenda amapaense desembarcava na Cidade das Mangueiras, na capital das chuvas com hora marcada de todas as tardes: Belém do Pará, rumo a mais um capítulo de sua jornada.


Com saudosismo Aldo comenta o quão marcante foi a sua chegada nos alvi-azuis, o Papão da Curuzu, justamente porque o Amapá, por ser historicamente atrasado no seu desenvolvimento, tinha problemas com os meios de comunicação de massa, como a televisão. “O nosso estado tinha dificuldade para atletas, porque era ruim de televisão. Enquanto que os nossos jogos eram amadores, já tinha o profissionalismo lá fora”. E completa: “nós todos jogamos por aqui mesmo, até que um empresário local, o seu Anaice, bancou minha passagem para ir fazer um teste lá no Paysandu, porque achava que eu tinha potencial”.


No Papão, o jogador construiu sua carreira durante 4 anos. Durante esse tempo, participou da conquista de dois títulos estaduais, em 1980 e 1981. E, sem dúvidas, 81 foi um ano marcante para ele: consagrou-se como zagueiro artilheiro, com 7 gols marcados; foi eleito o melhor jogador do campeonato paraense; campeão invicto, ganhando todos os clássicos RE x PA (Remo x Paysandu); disputa do campeonato brasileiro no Maracanã contra o Fluminense. Jogo decisivo.


Foi nessa partida que as portas do futebol mundial se abriram para Aldo. Embora o Paysandu tenha perdido para o time das Laranjeiras pelo placar de 4x1, quem fez o gol de honra do Papão foi justamente o amapaense que, na oportunidade, foi eleito o melhor jogador em campo. Pela sua atuação no jogo, o artilheiro foi convidado a se transferir para o Fluminense. Com a proposta aceita, a transferência aconteceu ao término do campeonato.


“A transferência de Aldo para o Rio de Janeiro foi concretizada no início de 1982. A diretoria do Fluminense depositou na conta do Paissandu, quatro milhões de cruzeiros e deu a passagem aérea para o jogador viajar para a Cidade Maravilhosa”, descreve Leonai Garcia em seu livro.


O ex-futebolista dedica a sua trajetória vitoriosa graças ao foco e a determinação que sempre teve, e diz que é isso o que falta nos meninos atletas de hoje, que estão iniciando na carreira agora. “É porque um atleta não pode ter vida dupla, o atleta tem que ser 100% profissional porque ele usa o corpo. Então se você sai para uma noitada, no outro dia você não produz muito, você pode estar sujeito a uma lesão. Quando você é um atleta de ponta, você tem que se resguardar para chegar nos treinamentos e buscar seus objetivos, que é crescer na vida”, explica.


No Fluminense, Aldo começa com uma campanha meio apagada, no banco de reservas e assistindo a péssimos jogos do seu time. Com a renovação do elenco e a chegada de Carlos Alberto Parreira como técnico, o Fluzão parece respirar novos ares em 1983, conquistando o campeonato carioca logo no primeiro semestre.


Como reflexo das novas contratações, o tricolor também chegou à final do campeonato brasileiro de 1984 com o Vasco. Com uma partida extremamente equilibrada, o primeiro jogo, que aconteceu no Maracanã, terminou com o placar de 1x0 para o Flu. Cabia, então, ao Vasco, buscar esse resultado em casa, no São Januário. Enquanto que para o Fluminense, o empate bastaria. Dito e feito. É exatamente o que acontece. Com o apoio da torcida, o tricolor consegue segurar o placar de 0x0 e leva título do Brasileirão.


Segundo Aldo, não há nada que descreva a experiência de jogar futebol, pois foi a partir dela que ele teve a chance de conhecer o mundo. “Eu conheci o mundo inteiro jogando futebol. Imagina só, um rapaz saído de Macapá. E eu fui campeão do Torneio de Paris, fui campeão da Taça Kirim (no Japão), fui campeão na Espanha, tudo jogando pelo Fluminense”, relembra.


Com um bom desempenho nas partidas, o jogador é pré-convocado para a seleção brasileira de futebol. E Aldo acreditava nessa convocação. Mas, um dia, em um jogo contra o América do Rio de Janeiro, ele foi fazer uma jogada, driblou Denílson e um “carrinho” tirou dele o sonho de vestir a camisa verde-amarela. Como bem disse Leonai: “seria a primeira vez que um jogador amapaense representaria o país vestindo a camisa amarela. Pior: Aldo ficou fora dos gramados por um ano”, escreveu.


Mesmo sem uma de suas estrelas, o Flu ainda consegue o tricampeonato carioca. Mas, em 1985, diante de uma decadência de resultados, a diretoria manda embora quase todo o elenco. Quando o lateral retorna de sua recuperação, se depara com um time todo renovado. Em 1987, o tricolor conquista apenas o título da Copa Kirim.


Aldo ainda relembra um fato cômico de uma de suas viagens pelos lugares considerados excêntricos, desta vez na Arábia Saudita: “Quando nós tivemos lá, não sabíamos o idioma e nem a religião deles. Então quando dá meio-dia todo mundo tem que sair das lojas para orar fora delas, e foi exatamente quando nós entramos. Justo no horário de meio-dia. Logo apareceu um árabe dando porrada na gente, e a gente não sabia o porquê que estávamos apanhando”.


Em 1988 tem fim a história da lenda amapaense no futebol carioca. Após isso, acontecem rápidas passagens pelos clubes: Vitória da Bahia (seis meses); Esporte Clube Recife (um ano); Paysandu (seis meses); Tuna Luso Brasileira (três meses); encerrou sua carreira jogando por seis meses no Pinheirense, da Vila de Icoaraci, em que Bira, seu irmão, era treinador da época.


Aldo Silva do Espírito Santo é um marco. Começou nos campinhos das praças de Macapá, para desbravar uma terra cheia de mistérios em que todos falam uma só língua: a língua do futebol. E Leonai já dizia, ou melhor, já escreveu: “Aldo é considerado um dos melhores laterais direitos de todos os tempos do futebol brasileiro”.


Fã e morador antigo do Trem

Por Cliver Campos


A minha admiração por Bira e Aldo surgiu quando eu ouvi e procurei conhecer a histórias desses dois irmãos do bairro do Trem, que conseguiram transformar suas vidas através do futebol. São duas pessoas abençoadas por Nossa Senhora da Conceição. Os primeiros toques de bola deles aconteceram no campinho da Igreja da Santa Padroeira do nosso bairro, na época da Juventude Oratoriana do Trem, JOT, período em que as crianças e adolescentes das redondezas participavam de atividades religiosas e esportivas, com práticas futebolísticas.


Eu, enquanto morador do Trem e radialista, recordo bem da importância que foi para Bira e Aldo, as reuniões paroquianas. A igreja católica foi um verdadeiro incentivador do esporte mais famoso do Brasil: o futebol. Bira, Aldo e Assis e, muitos outros jovens da época surgiram no campo de futebol da praça Nossa Senhora da Conceição, no movimento da JOT. Todos os domingos, eles tinham que comprovar que participavam do catecismo, tudo que envolvesse a igreja católica.


Depois da conquista do primeiro título interterritorial dos irmãos, também conhecido como Copão da Amazônia, eles saíram do Amapá no fim dos anos 70 para atuarem em clubes do futebol nacional e internacional como o Remo e Paysandu, primeiramente. No Internacional de Porto Alegre, Bira foi campeão brasileiro em 1979 ao lado do ex-jogador da seleção brasileira de 82, Paulo Roberto Falcão, em que disputaram a Copa Libertadores da América em 80, no mesmo ano do meu nascimento. O Aldo conquistou com garra o tricampeonato brasileiro pelo Fluminense em 1984, foi campeão pela Copa Kirim no Japão, além de ter tido a oportunidade de jogar na inauguração do Estádio de Seul, antes dos Jogos Olímpicos.


Aqui no Amapá, ainda não apareceram novos talentos no futebol que tenham a capacidade de se igualar ou superar o feito deles, pois, muitos jovens iniciam a carreira como jogador e param no meio do caminho. Nós, aqui do Trem, temos orgulho deles por serem desse bairro tão prestigiado pelos cidadãos amapaenses. Para minha incrível sorte, eles ainda moram por aqui, e são quase meus vizinhos. Oportunidade de conhecê-los, não falta. O que, infelizmente me carece, é dar mais importância a essas duas lendas amapaenses que ainda estão conosco em vida.


Acredito que, por desconhecimento da história dessas duas pessoas, não há um verdadeiro valor, uma verdadeira repercussão para o que eles representam no futebol do Amapá. E me parece que essa problemática está enraizada aqui no estado. Em uma simples ida do Bira para assistir ao clássico da série B do Campeonato Brasileiro entre Paysandu e Internacional, o recordista foi manchete em todos os programas de esportes, sites e colunas de jornais da cidade de Belém. Da mesma forma, o Aldo. Quando ele chega no Rio de Janeiro, a capital inteira percebe sua presença, ele tem uma importância para o time carioca das Laranjeiras.


Eles saíram do Amapá para o mundo, vamos assim dizer. Os dois irmãos representam magnificamente o futebol amapaense, pois eles travaram uma luta no momento em que a comunicação era difícil, algumas pessoas não tinham ao menos telefone. Agora, imagino, conquistar o mundo através de garra e talento numa época dessas? Não é para qualquer um.


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