Depois das 18 horas
- Daniel Alves
- 4 de set. de 2017
- 2 min de leitura
Hoje quando digo "bom dia" no início do expediente procuro ser o mais honesto possível. O desejo acaba saindo de forma mecânica, mais educação e menos verdade. Não é fácil manter o real interesse na sucessão de minutos que aquelas pessoas terão dali para à frente. Muito menos prever o que as próximas 24 horas as reservará. Geralmente quando falo, procuro com aquilo desejar sorte, como se esperasse que elas pelo menos encontrem o melhor caminho a partir daquele instante.
Com alguns anos trabalhando na mesma empresa, vendo as mesmas pessoas quase todos os dias, percebo muitos seres que já desistiram do diálogo, simplesmente mantêm o modo "automático" ligado para as horas de encontros e esbarrões inusitados nos corredores. Aqueles que ousam trazer problemas para a harmonia do departamento são isoladas, imediatamente. É necessário estar "bem" na hora do cumprimento das funções matinais.
Algumas vezes tenho o prazer de registrar o encontro de gerações, os de 10 anos de empresa e os de apenas 6 meses. O ânimo juvenil que os novos trazem consigo amedrontam os octogenários do ritual diário. Mas é fato, alguns novos já nascem com ânimos antigos enquanto muitos velhos permanecem com a empolgação pubescente até a aposentadoria. A linha tênue está no que cada um alça para sua vida e os motivos que lhe fizeram chegar até aquele lugar.
Fora da redoma é onde a mágica acontece. Mudam-se as roupas: sapatos viram chinelões, calças tornam-se bermudas encardidas. Morrem as formalidades. Afloram-se os desejos verdadeiros. O medo de ser repreendido se transforma em confiança, chão estável para as realizações.
Regrido!
Abandono o despertador, as funções e principalmente as tecnologias. Torno-me um homem das cavernas. Isolado do que me enclausura. Desligo os aparelhos eletrônicos e descubro a magia de cozinhar para os meus amigos mais íntimos. Penso em largar tudo para realizar um sonho que comecei a ter a partir das 18h da sexta-feira, ser chef de cozinha.
Descubro o talento que tenho de combinar sabores e degustar coisas novas. Misturo cinco elementos e faço o melhor prato de arroz com frango que já provei na vida. Aproveito esses momentos como se nunca mais fosse ter de volta. Bebo minha cerveja, converso besteiras falando palavrões sem censura e até mesmo crio alguns outros novos para ter como rir em outras ocasiões com os amigos.
Depois das 18h do domingo começam a aparecer os tenebrosos sinais de que mais um sonho está se acabando. Até a programação da televisão já parece uma tortura. Uma criança terá que entrar para a casa antes da brincadeira acabar. O fim está cada vez mais próximo. O grande Érick Jacquin terá que pedir uma folga do serviço. O super masterchef terá que lavar e guardar as últimas panelas da pia. Volto a programação normal.
A rotina leva mais uma vez um grandioso homem que deveria mudar gerações, inventor de grandes pratos. O futuro ganhador do oscar da gastronomia precisa estar de pé bem cedo. Fico louco para contar as aventuras que tive durante o final de semana, mas eles não entenderão, nem queria. Já planejo o próximo desafio que irei cumprir. Depois do final da tarde tudo é possível quando a rotina não nos atravessa.
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