Rádio na Amazônia: frequência que reproduz os anseios dos ribeirinhos do norte do país
- Daniel Alves, Fabio Maciel
- 4 de set. de 2017
- 6 min de leitura

Para as populações que residem em regiões afastadas dos centros urbanos, o rádio representa o único meio de comunicação, além de manter uma relação familiar e próxima com essas comunidades.
Para quem mora em localidades ribeirinhas do norte do país, grande parte da informação e do entretenimento chega pelas ondas do rádio. De acordo com o site “People Groups” aproximadamente 8 mil pessoas vivem em lugares afastados de centros urbanos, na Amazônia. Nessas comunidades o único meio de transporte são as embarcações.
O rádio mantém uma relação íntima com os ribeirinhos. A comunicação chega carregada de informações que envolvem quem mora na cidade e quem vive nas margens dos rios amazônicos.
Antônio Abreu, 42 anos, mora na ilha de Santana, distante 8 minutos de barco do centro urbano do município. Ele trabalha com pesca artesanal há mais de vinte anos e tem uma relação de confiança com o rádio. O meio de comunicação faz parte de sua vida. “Diariamente eu escuto a rádio, somente no final de semana, quando estamos aqui, não ouvimos, mas quando estamos viajando ouvimos rádio, onde eu me comunico com a minha mãe. Quando a gente tem algum recado, que ela é aposentada pelo Estado, mandamos recado pelo programa de rádio. Ela escuta lá e então vem para a cidade”, diz.
O radialista amapaense J. Ney, de 74 anos, trabalha em rádio há mais de 40 décadas. Segundo ele, os moradores das comunidades ribeirinhas do Amapá e, principalmente, do Pará são fiéis ouvintes e acordam cedo para escutar a programação da emissora. “Esses municípios paraenses são muito mais próximos de Macapá do que de Belém do Pará. Então a interação deles, conosco aqui na capital Macapá, é muito grande, inclusive é pela comunicação”, diz. O radialista argumenta ainda que o rádio amapaense é o que noticia as informações e utilidades públicas destes moradores de algumas ilhas do Pará, como as festas religiosas, os arraiais, os pedidos de medicamentos, entre outras necessidades.
Com mais de 15 anos trabalhando no rádio, Cunha Lopes diz que a participação da população ribeirinha é incentivadora e gratificante, além de contribuírem com informações que são muito importantes, como denúncias e resoluções de alguns casos policiais. “A Participação é muito grande. Nós adentramos as comunidades das ilhas do Pará, inclusive até a parte criminal, já que muita gente comete crimes aqui na cidade e se esconde para lá, então a gente avisa, noticia as autoridades”.
Lopes relata alguns casos criminais que demonstram a relevância da relação íntima com os ouvintes ribeirinhos. “Houve situações que aconteceram lá nas ilhas que chegaram aqui antes de chegar à polícia. Tanto é a credibilidade desse pessoal e a confiança deles nos programas. A gente passa para a polícia e eles vão lá e resolvem”, acrescentou Cunha.
Na cidade paraense de Afuá, que fica distante 5 horas de barco da capital macapaense, o rádio é um dos meios de comunicação mais utilizados pelos moradores, perdendo apenas para a internet. A ilha tem duas emissoras de rádio que informam, levam entretenimento e interagem com a população.
Sandro Cunha, tem 40 anos de idade, vive na cidade do famoso festival do camarão desde que nasceu. Para ele ouvir rádio é mais que um hábito, é uma necessidade. “A programação cultural, as notícias locais, os eventos, as ações que estão acontecendo em nossas cidades, nosso interior. Isso também chega através da rádio tanto no programa jornalístico da própria rádio quanto através do informativo do governo municipal e outras informações dos programas no decorrer do dia”, afirma.
Sandro é um ouvinte tão assíduo que sabe dizer, sem hesitar, a programação que acompanha diariamente. “Logo cedo da manhã o programa aqui da rádio local é o programa ‘Acorda Afuá’ e meio-dia tem o ‘Almoçando com a notícia’ e no sábado temo o ‘Você cidadão’ que é um programa também bastante informativo, tem entrevista, informação voltada para o cidadão”, expressou.
A convergência no rádio
O professor Benedito Rostan Martin, atuante no rádio há mais de vinte anos, teve um contato direto com as comunidades ribeirinhas atrás de um programa de rádio que apresentava na emissora 90.9 FM, o “Alô Alô Amazônia”. Durante o período em que esteve na emissora, Rostan descobriu o que mais os ribeirinhos gostam nos programas de rádio. “Primeiramente o ribeirinho gosta de escutar músicas populares, brega e arrocha. Depois gosta de notícias, do governo e da cidade. E em terceiro lugar o ribeirinho gosta de recado. Então, se a pessoa atender esses três itens já ganha a atenção do ribeirinho”, informou.
Rostan ressalta que apesar da chegada da internet o rádio, assim como os outros meios de comunicação, segue se adaptando e cada vez mais crescendo com os processos de modernização. “Disseram que o rádio ia acabar, que a televisão iria acabar, que o jornal impresso acabaria com a chegada da internet. Pelo contrário, o rádio usa esses meios e se adaptou pra isso, utilizando também esses recursos”.
O estudante de jornalismo e locutor de programa de rádio Cliver Campos, também fala sobre os processos de convergência que existe no rádio. Segundo Cliver, o rádio e as mídias sociais ajudam a dar suporte para manutenção desta plataforma.
“Hoje um dos recursos mais utilizados pelos rádios são os links móveis, que se deslocam das emissoras para outros cantos da cidade e transmitem a rádio ao vivo. Outro recurso são as mídias digitais, o Facebook, Blogs e outras plataformas que mantém vivo a essência do rádio”.
Rádios Comunitárias
De acordo com os dados do Sistema de Controle de Radiodifusão da Agência Nacional de Telecomunicações (SCR/Anatel), no Amapá, existem 19 rádios comunitárias distribuídas em dois distritos (Lourenço e Bailique) e 15 municípios, sendo que só a cidade de Mazagão não possui registro de concessões de rádio.
Essas rádios localizadas tanto na capital quanto no interior do Estado, possuem ampla frequência de sinal, o que garante a expansão da transmissão às regiões do Amapá. Um exemplo é a Rádio Comunitária Tartarugal FM, do município de Tartarugalzinho, que segundo o diretor Frederik da Silva Monteiro, alcança 18 comunidades rurais distribuídas ao entorno.
“A nossa programação é voltada para o entretenimento, religião, esporte, cultura e também para a área da saúde, onde a Secretaria Municipal tem um programa que oferece recomendações aos moradores. O Conselho Tutelar e a Segurança Pública também possuem espaços durante a semana”, explicou.
Para o diretor, no que se refere à área de abrangência do sinal da rádio, ainda é insuficiente considerando o grande espaço territorial destas localidades, pois o município é cercado por 36 comunidades, mas como a lei não permite um maior alcance, essas regiões são desprivilegiadas pelas transmissões.
A legislação que ele se refere é a lei nº. 9.612 de 1998, que disciplina os serviços das rádios comunitárias em todo o Brasil. Ela define um raio limitado de 25 watts para a difusão do sinal dos veículos, sendo que para algumas regiões do Amapá pode ocorrer interferência por conta da proximidade e, em outros casos, não alcança o seu objetivo, pois as regiões têm características particulares.
No caso do Arquipélago do Bailique, 180 quilômetros de Macapá, onde segundo o IBGE moram mais de 7 mil habitantes dentro de um conjunto de oito ilhas, a Rádio Liberta Bailique FM é a única fonte de comunicação da comunidade. A rádio está localizada na Vila Progresso, região central e de maior número populacional.
A rádio contempla com o seu sinal todas as ilhas do Arquipélago do Bailique e também mais algumas ilhas do Pará. De acordo com a diretora Maria José Tavares dos Santos, uma das questões mais difíceis é manter a rádio funcionando, devido à falta de recursos financeiros e problemas com energia, que dentro da região ainda é muito instável.
A diretora informou que o veículo de comunicação sempre foi uma necessidade antiga dos moradores das comunidades, pois a maioria delas não possui telefone ou internet, e que sem esse meio é difícil até o contato com as outras localidades mesmo que vizinhas. A gerente da rádio esclarece que os próprios moradores perceberam a importância desse instrumento, mas diariamente precisam lidar com inferências, principalmente de ordem política.“Por ser a única rádio da região, muitas autoridades que vem atrás da gente não querem apenas falar da questão social, e sim, fazer politicagem. Se abre espaço para um tem que abrir para o outro e nem todos têm a consciência das regras da rádio comunitária”, explicou.
De acordo com a legislação, as rádios comunitárias precisam priorizar programações culturais, educativas e informacionais, onde a própria comunidade tenha a liberdade de exercer o seu direito de comunicar sobre os assuntos de interesse do grupo social onde se localiza.
A burocrática para a regularização desses meios de comunicação também impossibilita a expansão do setor, o que prejudica para que essas áreas ribeirinhas do Amapá ampliem o conceito de comunidade e agregação. Desta forma, muitas rádios funcionam, mas de forma clandestina, correndo o risco de sofrer apreensões e ter seus diretores e materiais detidos pela ANATEL e a Polícia Federal.
No município de Laranjal do Jari, a rádio comunitária Laranjal FM começou a funcionar em 1997, antes da formalização da lei, e só conseguiu se tornar legal em 2002, trabalhando todo este período como rádio clandestina. Hoje ela cobre a cidade inteira e ainda algumas ilhas do Pará, como a cidade de Monte Dourado.
O locutor Sérgio Abreu conta que a rádio tenta abranger todas as características dos moradores, tanto é que eles têm um programa que só toca músicas de reggae, porque, segundo ele, a população da região é formada por vários maranhenses. “A gente se vira para formatar uma programação que atenda os anseios da comunidade”, completou.
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