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Bandas autorais amapaenses têm dificuldade em viver de música autoral

  • Mayara Dias e Lana Dantas
  • 11 de out. de 2017
  • 7 min de leitura

A ausência de espaços para tocar faz com que as bandas busquem outros caminhos e que tenham criatividade para continuar fazendo seus trabalhos





É véspera de feriado e por volta de 21h o público começa a chegar e lotar um bar comercial na área central de Macapá. O espaço interno é pequeno e as pessoas procuram um lugar em que possam apreciar os shows da noite. A maior parte do público fica do lado de fora, mas não arreda o pé, esperam pacientemente a primeira banda arrumar e afinar os instrumentos; até que o som começa e aos poucos o público vai entrando no clima e começa uma dancinha lá e outra aqui.

A noite inicia com o show da banda Twin Speakers, que faz um som definido pelos garotos da banda como uma mistura de post punk oitentista e surf rock. Além das músicas já conhecidas, a banda apresentou novas canções ao público em um show descontraído, em que os integrantes interagiam o tempo todo com o público, sempre tendo feedback positivo, até o fim do show.

Sem perder a energia a banda stereovitrola assume o posto e continua agitando a galera. A banda é a mais experiente entre as que tocaram aquela noite, com anos na estrada, já tocaram em vários festivais pelo país. Eles conseguem mesclar o público que acompanha a banda desde o início até os mais novos, e empolga a todos da mesma forma.

E finalizando a noite entra a banda O Sósia e bota todo mundo pra dançar com sua psicodelia. Os rapazes da banda são especialistas em contagiar o público com suas canções, a cada música tocada a animação cresce e a galera vibra junto. Todo mundo fica até o final curtindo cada música, e o apoio é fundamental para continuar dando gás para os músicos continuarem com seus trabalhos. José Ribeiro, guitarrista e vocalista d’O Sósia, diz que “tocar é sempre bom em qualquer lugar, basta trabalhar com dedicação que as coisas acontecem”. E para ter o seu trabalho reconhecido é preciso ralar muito, já que a cada dia as dificuldades só aumentam.


Falta de apoio e dificuldades

Viver de música no Brasil não passa de um sonho para a maioria dos artistas. Falta incentivo, falta investimento, mas não falta força de vontade para essa galera que corre atrás dos seus objetivos e não mede esforços para mostrar seu trabalho. Em Macapá o cenário musical está cada vez mais esquecido devido a escassez de eventos e locais para as bandas que possuem trabalho autoral se apresentarem. A falta de espaço nos meios de comunicação é outro entrave, mas que poderia ajudar na divulgação de seus trabalhos.

Os artistas que estão começando agora sentem ainda mais dificuldades em conseguir seu espaço na cena local, pois essa é a pior fase cultural, em que os eventos estão cada vez mais raros e os músicos têm que lutar muito para conseguir tocar na noite amapaense. Por Macapá ser uma cidade relativamente pequena, muitas vezes são os amigos que ajudam para que as bandas ainda consigam shows em bares e casas noturnas.

Marinho Pereira, baixista da banda stereovitrola, afirma que os amigos são um grande apoio para que a banda continue em atividade. “Temos que agradecer a parceiros que sempre abrem as portas para nós, quando podem eles nos ajudam com alguns custos de apresentações”. Mas mesmo com essa ajuda não significa sucesso e um cachê no fim da noite, às vezes as bandas tocam apenas em troca daquele espaço para mostrar seu trabalho, sem receber nada por isso. “Na maioria dos eventos não recebemos nada. Em alguns não rola nem água, mas quando recebemos reinvestimos na própria banda”, conclui o baixista.


Surgimento de eventos e espaços para bandas autorais

Cansados da falta de opções para curtir um rock na noite macapaense, em meados 2008 um grupo de amigos se reuniu e promoveu uma noite de rock na Praça da Bandeira, e deu tão certo que o evento passou a ser organizado regularmente. Era o nascimento do Liberdade ao Rock. “Surgiu pela falta de espaços para as bandas na cidade, principalmente as de rock e autorais. A ideia é baseada na ideologia punk do "faça você mesmo". Uma banda emprestava a bateria, outra uma caixa de som, outra um cubo de guitarra e etc”, conta Carlos Alberto Júnior, colaborador da “Espaço Caos – Arte e Cultura” e um dos organizadores do Liberdade ao Rock, que em pouco tempo passou a ser uma das principais referências em evento público e independente de Macapá.

Mais ou menos no mesmo período outros festivais e eventos maiores começaram a ser feitos na capital, o que foi muito importante para os músicos que buscavam apoio para mostrarem seus trabalhos e terem maior visibilidade. A cena autoral cresceu como há muito não era vista, mas esse crescimento não foi fácil, as dificuldades sempre existiram e com o tempo tomaram conta. Os eventos foram acabando e a batalha para conseguir fazer cultura no estado estava sendo perdida, o Liberdade ao Rock ainda é o único sobrevivente dessa leva. “Esses eventos eram extremamente importantes para a cena independente, pois dificilmente você consegue um show autoral em um bar local”, explica José Ribeiro. “Com a falta de eventos específicos para as bandas autorais, muitos simplesmente migraram para os barzinhos para ganhar alguma grana, já outras bandas pararam por não ter onde tocar”, completa Carlos Alberto.

Marinho Pereira, baixista da banda stereovitrola diz que a falta de apoio e a perda de patrocinadores foram fundamentais para que esses eventos deixassem de acontecer. “Com a drástica diminuição de lugares e eventos que serviam de propulsão para divulgação deste trabalho, está sendo cada vez mais difícil de se produzir, pela falta de espaço e a falta de conhecimento na busca de recursos voltados para a cultura musical”, explica.

Os perdedores dessa batalha são o público e as bandas, que tiveram que buscar formas alternativas para esses problemas. “Sem dúvida em alguns eventos de bandas autorais eu vejo essa falta de incentivo, tenho muitos amigos que tocam em bandas e nós sabemos as dificuldades que eles possuem” diz o acadêmico Alexandre Dantas, frequentador dos eventos.

“Os espaços para as bandas mostrarem seu trabalho existem, porém são escassos, quem quer mostrar seu trabalho precisa correr atrás de lugares e eventos para poder tocar, fazer quase tudo por conta própria”, finaliza Lucas Ben-Hur, vocalista e guitarrista da banda Twin Speakers.



A falta de apoio do poder público



A reclamação mais comum entre as bandas é a falta de apoio por parte das secretarias estadual e municipal. “O recurso público tornou-se algo muito escasso, geralmente quando se tem eventos governamentais. Procuram contratar aqueles que possuem mais “nome”. O certo é que infelizmente ainda não existem políticas voltadas para aqueles que estão tentando se encaminhar nos rumos autorais”, critica o baixista Marinho Pereira. Mas segundo Sergio Lemos, presidente da Fundação Municipal de Cultura (FUMCULT), a secretaria faz o que é possível para ajudar esses artistas. “Temos um problema orçamentário, financeiro. Então nós acolhemos iniciativas, fomentando e apoiando de alguma maneira. Seja com estrutura de som, palco. Basta que entrem em contato conosco e nos apresentam seus projetos”, afirma.

O secretário de cultura também explica que há um novo sistema no site em que os artistas podem se cadastrar para facilitar o contato entre os artistas, secretaria ou qualquer pessoa ou instituição que queira conhecer ou contatar esses artistas. “Nós temos um sistema funcionando desde maio, onde as bandas podem se credenciar. É um portal para os artistas de qualquer seguimento, em que eles inserem suas informações e essas informações são avaliadas por um moderador, depois são habilitados no site da FUMCULT e pode ser acessado por qualquer pessoa. Quando temos algum evento entramos em contato com os artistas credenciados e vemos se eles têm interesse em tocar”, explica o secretário Sérgio Lemos.

Os artistas podem alimentar esse espaço com suas informações, como ficha técnica, adicionar registros fotográficos, vídeos e redes sociais. O sistema também facilita o acesso aos processos de inscrição em editais publicados pelo município. Ainda há poucos artistas credenciados, talvez por ser um sistema novo e ter sido pouco divulgado.

Mas a falta de apoio não é somente do poder público, é também do próprio público em geral. Como explica José Ribeiro: “Não falta apoio apenas dos governantes, falta apoio das pessoas que se identificam, que não valorizam o que tem em seu estado. Não estou generalizando, pois sou muito grato aos fãs que acompanham a banda. Mas acho que as pessoas deveriam ser mais patriotas com sua cultura”.

Sérgio Lemos garante que mesmo com dificuldades a secretaria trabalha para que os artistas tenham espaço para difundir seus trabalhos e que o público amapaense tenha acesso à cultura de forma geral. “Estamos fazendo editais para acolher as iniciativas da sociedade civil, para produção de cds, espetáculos, circulação de shows, e para fomentar eventos que estejam acontecendo na cidade, sejam eles de música autoral ou não autoral”, diz.

Para as bandas o incentivo dos órgãos competentes ainda não é suficiente e as coisas não são tão simples, eles ainda têm que batalhar muito para ter reconhecimento de seus trabalhos.

Internet: a maior aliada das bandas

A partir dos anos 2000 ficou mais fácil para as bandas divulgarem seus trabalhos. Com o crescimento global da internet e o advento do mp3, ficou mais fácil consumir música no formato digital. As bandas podem fazer gravações caseiras com um custo bem mais baixo do que teriam em estúdios profissionais, e tem na internet um importante aliado para a divulgação de seus trabalhos.

A internet possui várias plataformas de divulgação e algumas bandas obtêm desses recursos para divulgar e expandir seus trabalhos, como as bandas O Sósia, stereovitrola e Twin Speakers que disponibilizam suas músicas nas plataformas de streaming. "Para nós que somos uma banda independente, a questão de divulgar o trabalho na internet através dessas plataformas é muito válida. Não só de áudio, mas na questão de vídeo também, a banda usa o soundcloud, YouTube e brevemente pretende disponibilizar as músicas do novo cd no Spotify", conta Marinho Pereira.

Essa é uma das formas encontradas pelas bandas para continuarem produzindo e terem notoriedade dentro e fora do estado. Mesmo com todas as adversidades, o amor pela música ultrapassava todas as barreiras e os músicos seguem firmes com seus sonhos e projetos.


 
 
 

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